Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002Crônicas

Quem não vive para servir…

Não faz muito tempo. Todos os dias, um garoto tomava o ônibus que vinha do Taquaral, perto da Padaria Guanabara, para estudar no Ateneu Paulista. Um belo dia, o garoto não apareceu. O ponto ficava bem na frente da casa dele. O motorista da CCTC estranhou a ausência do pequeno passageiro, parou o ônibus e bateu à porta da casa do menino, para saber o que tinha acontecido. Naquela dia, o garoto não ia à escola: ficara doente. A mãe agradeceu a gentileza e a preocupação do chofer.

Anos antes, outro garoto, ainda nos tempos da Viação Bonavita, era fascinado por ônibus. Eles nem tinham borboleta, o cobrador circulava no aperto entre passageiros que viajavam em pé e ninguém deixava de pagar a passagem. Toda noite, aquele menino obrigava a tia a dar uma volta de ônibus com ele. O sonho dele era ser “motorista de ônibus”, tal a magia do carrão que o levava a passear, numa viagem alegre protagonizada pela camaradagem do motorista e do cobrador. Numa daquelas noites, uma tempestade impedia que ele descesse no ponto perto de casa, como fazia sempre. Deu três, quatro, cinco voltas pela cidade e o temporal não passava. O motorista, vendo o desespero do menino e da tia, desviou o itinerário e levou os dois até a casa em que eles moravam. Chegaram sãos, salvos e secos, quase meia-noite.

Naquele tempo, o motorista e o cobrador usavam boné com aba de plástico, gravata e camisa de mangas compridas. Tratavam os passageiros por “senhor” e “senhora”, pediam “por favor, um passinho à frente”, para que sempre coubesse mais um.

Nos bondes, a mesma cordialidade por parte do motorneiro e do condutor. Eles agüentavam “o diabo” da molecada que viajava para casa na volta da escola. Eram vítimas de muitas brincadeiras, mas eram adorados pelos meninos e meninas. Os pais confiavam neles. Sabiam que os filhos estavam em boas mãos. Se não houvesse troco para a passagem, no dia seguinte tudo era acertado. Quanto “quinhentão” fiquei devendo para o seo Vignatti, um verdadeiro ídolo da meninada. Símbolo dos cobradores de bonde de Campinas. “É um prazer tê-la em nosso carro, madame. Todos bem em casa? Estimo!” Parabéns pelo pai que você teve, Maria Inês.

Quantas vezes vi seo Vignatti fazer o bonde esperar até que ele ajudasse alguma senhora a descer com pacotes de compras, que ele mesmo carregava até a porta da casa da passageira. Ninguém reclamava. Ninguém tinha moral para esbravejar contra o seo Vignatti. Pelo contrário. Sempre que ele auxiliava alguém, era aplaudido. Grande homem aquele cobrador! Ser humano maravilhoso. Vê-lo trabalhar era uma lição de educação, boas maneiras, dedicação, respeito e amor ao próximo.

Naquele tempo, como todos os prestadores de serviços públicos, motoristas, cobradores, motorneiros e condutores viviam para servir. Era uma época em que seres humanos exerciam determinadas profissões. Os bondes, por exemplo, já não eram mais movidos a tração animal, e homens de verdade faziam o transporte coletivo da cidade.

Mas por que me lembro disso? Por que esta triste cidade, sem prefeito nem polícia, viu-se invadida por um bando de animais, movidos a tração política, travestidos de motoristas e cobradores de transporte de passageiros, cuja conduta envergonha até os burros que no começo do século levavam campineiros de casa para o trabalho.

Pregado no poste: “Quem não vive para servir, não serve para viver. Sumam daqui!”

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