Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1999Crônicas

Quase fui pra guerra

Foi tudo culpa do Lindolfo Jorge Leite (hei, onde você anda?). Um dia, abri o Correio Popular e lá estava o retrato do Lindolfo, pronto pra guerra. Aquela imagem me veio à memória sábado, lendo as “últimas notícias”, pela Internet. Ela diz: “Brasil pode enviar tropas à Guiné-Bissau — O governo brasileiro pode enviar tropas, como força de observação, para intervir na Guiné-Bissau, país africano que está em conflito há quase dois meses, após uma tentativa de golpe militar contra o governo do presidente Bernardo Vieira. O Estado-Maior das Forças Armadas (Emfa) enviou dois militares para o continente africano, que irão avaliar a necessidade ou não da participação da força brasileira.”.

Como três anos depois do nosso “sordado”, seria minha vez de servir ao Exército, encasquetei: já que era para cortar os cabelos e vestir farda, que fossem a boina, o uniforme e o dólman azuis da Organização das Nações Unidas. O Brasil integrava, desde a criação, o Batalhão da ONU no Canal de Suez, e não custava nada tentar. Até que as coisas estavam bem encaminhadas. Um general de pijama prometeu me ajudar. O resto dependia de mim: altura, peso, escolaridade, saúde. Teria de me apresentar em julho para os exames preliminares.

Eu já me via no deserto, guarnecendo a Faixa de Gaza, ajudando a apartar briga de árabes e judeus, armado apenas com uma bandeira branca. Tudo em nome da Força de Paz da ONU. Li muito sobre a briga. Quanto mais lia, tentando entender os motivos daquela confusão, mais viajava no tempo. Quando percebi, já estava consultando a Bíblia. Noé construía um barco, veio uma tempestade, um filho de nome Cam o flagrou pelado e bêbedo, o mundo se dividiu. Uma loucura. Foi criado o Estado de Israel, em 1948, e a briga esquentou.

Depois de tanta balbúrdia, lá estavam Golda Meir, Moshe Dayan e Gamal Abdel Nasser fazendo “fusquinha” um pro outro e a Humanidade à beira da destruição. Quase tudo por causa do petróleo. Eles lá se estranhando, enquanto no Brasil, árabes e judeus na maior paz, trabalhando, indo ao futebol, paquerando, tomando caipirinha, jogando no bicho, pulando Carnaval. Bons tempos. Pelo menos aquela forma de racismo nunca foi explorada no Brasil.

(Você que é da geração Itamar não vá pensar que a Volkswagen tinha uma fábrica em Israel e outra no Egito, ambas disputando o mercado do Oriente Médio.  Naquele tempo, ainda não chamavam o mais famoso carro da Volks de “Fusca”. E “fusquinha” queria dizer só “provocação”, como essa do prefeito Chico Amaral e do padre Geraldo, aí da Igreja do Carmo. Ainda bem que eles não pegaram em armas…).

Como eu disse, teria de me apresentar em julho. Em junho, o pau quebrou. Estourou a “Guerra do Seis Dias” – em menos de uma semana, mudava o cenário na região e a ONU teve de recolher sua tropa de paz, porque a guerra ganhou. Aí, me começou outra “guerra”: escapar do serviço militar. Como convencer os comandantes dos velhos BCCL, Quinto G-Can e da Escola de Cadetes de que eu não estava apto para ser recruta? “Pra fazer turismo no Oriente Médio serve, né?”. Tinha medo de ouvir isso nos quartéis. Um dia eu conto como escapei.

Garanto que não fiz como aquele gajo que cortou o indicador e acabou dispensado porque tinha pé chato.

Pregado no poste: “O técnico Vadão está prestigiado”

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