Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2007Crônicas

Quarteto em dó

Os quatro entraram juntos no ônibus que saiu de Marília para Ribeirão Preto, à meia-noite. O mais ‘experiente’ foi logo exibindo o currículo: “Foram treze anos e sete meses de cadeia, mas agora só quero paz. Quanto tempo leva para chegar a Ribeirão? Cinco horas? ‘Pelamor’ de Deus! Treze anos em cana, mais cinco horas para chegar em casa…” Ninguém riu, ninguém brincou, nem era Carnaval. “Burrinho” é seu apelido. Deve ser.

Não disse onde fica o xilindró nem por que se hospedou lá. Só que ninguém passa tanto tempo enjaulado se não por morte de desafeto. Convocou um jovem corintiano que acabara de entrar com um violão e intimou: “Não fuja, não! Venha cá, vamos tocar isso aí!” Bêbado, desistiu da cantoria, porque dedilhava uma nota só, para sossego dos passageiros. Sossego?

Deu um aviso de quem sabe das maldades: “O celular de alguém aqui é prefixo 16? Se for, desliga, porque clonam telefones nesta estrada. Na cadeia, é assim: a gente paga de R$ 200 a R$ 2 mil para ter um celular. Se pudesse, só roubava do governo, porque o governo é o grande ladrão do povo.” Foi aplaudido. E emendou, agradecendo as palmas: “Tem algum milico, aqui!? Acho que não, porque se tivesse, já tinha me mandado calar a boca.”

Em Guarantã, desceram para tomar cerveja.

Dois desembarcaram em Itápolis. Um exclamou: “Como está bonita minha metrópole!”. Ganharam do governo emprego numa fábrica de biscoito. E o futuro operário já filosofava: “Eu, que sou debaixo, vou fazer bolacha; os que estão lá em cima vão comer sem imaginar que o biscoiteiro é um ex-presidiário.”

Em Borborema, morrendo de sede, viu um PM rondando o ônibus, vasculhando as poltronas, encarando os passageiros. Lá no fundo, o meganha pegou um copo com água e desceu. O “ex-bandido” também foi pegar, mas o do guarda era o último. Quando o policial desceu, o “recuperado” desabafou: “É brincadeira! Pago R$ 35,00 de passagem para um soldado beber minha água! Roubou e ninguém falou nada. Não falei que o governo é o maior ladrão do povo?”.

Ele sabe o que está dizendo.

O resumo desta ópera é o diálogo entre duas passageiras:

— Fiquei com medo dele!

— Tive mais medo do guarda!

Pregado no poste: “Quem diria! Thedore Roosevelt acabou na reserva — de diamantes”

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