Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

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Quando acabou a inocência

Há exatamente 40 anos, na noite de 14 de julho de 1958, o Brasil conhecia o fim da inocência. Entrava no cenário de nossas cidades a “juventude transviada”, inspirada no comportamento de James Dean, morto em seu Porsche Spyder três anos antes, logo depois de estrelar o filme que rotulou jovens rebeldes no mundo inteiro. No Rio de Janeiro, ainda capital da República, dois rapazes, Ronaldo Castro e Cássio Murilo, com ajuda de Antônio João, porteiro do edifício Rio Nobre, na Avenida Atlântica, lançaram do último andar a jovem Aída Cury na calçada de Copacabana.

(Dois meses antes, o pai de um deles havia estuprado a atriz Darlene Glória, em início de carreira, que acabara de chegar de Belo Horizonte para tentar a sorte no Rio de Janeiro.)

Graças à indignação do jornalista David Nasser, que cobrou punição em sua coluna da jamais superada revista O Cruzeiro, a Justiça teve de agir e os três foram condenados: 37 anos para Ronaldo, 25 para o vigia, e Cássio, menor, foi recolhido a um abrigo. O julgamento teve transmissão pela extinta TV Tupi — um milagre na época, que fez imagens do Rio chegarem a São Paulo.

Uma tragédia que lançou moda. Ronaldo usava um modelo de óculos escuros para aplacar um problema na vista, mas que ganhou o mercado e passou a vestir a cara de “filhinhos de papai”. Cássio, que apareceu na TV e nas revistas usando uma jaqueta de couro igual à de James Dean e à de Marlon Brando, em “O selvagem da motocicleta”, completou o figurino que precedeu a onda dos jeans.

Cinco anos depois, a “juventude transviada” de Campinas fazia sua primeira vítima. Sábado, 17 de novembro de 1963, uma da tarde: a jovem comerciária Vilma Pereira Bueno, 15 anos, esperava o ônibus da Vila Nova, na Avenida Campos Salles, altura de Senador Saraiva. De repente, um carro entra na avenida. Dentro, quatro “playboys”. Um deles atira uma corda e laça Vilma. Ela foi arrastada por 15 metros. Milagrosamente, conseguiu livrar-se da forca. Espanto, gritos.

Numa viatura da extinta Força Pública, os “praças” Masotti, Gildo e Barduco perseguem os “boyzinhos”, até caçá-los na Avenida Anchieta, perto do Cine Voga. Diante do delegado A. C. Toledo Neto e do escrivão Arcimar Perina, Marcos César Seabra Mattos, Adilson Alvarenga, o “Grilo”, Nelson (ou Newton?) Brasil Leite, o “Ameba”, e o menor L.F.E.R. trocam acusações. No exame de corpo de delito, a traumatizada Vilma não sabia o que dizer para o médico-legista Rodolfo di Tella. Nascera de novo, toda machucada.

A nossa Rádio Brasil, que nunca perde uma, fez esse crime abalar o Brasil. Na noite daquele sábado, Santos e Milan decidiriam no Maracanã o campeonato mundial interclubes. (Sem Pelé e com Almir dopado, o Santos foi bicampeão.) José “Bolão”  Sidney estava lá para transmitir a vitória. Comentou aquela vergonha com colegas da Rádio Continental do Rio de Janeiro e da Nacional, com informações da Brasil. O país inteiro ficou sabendo. Heron Domingues deu no Repórter Esso.

Onde estão hoje Ronaldo, Cássio, Antônio João, Seabra, Ameba, Grilo e L.F.E.R.? Onde andará Vilma, onde andará? Aída Cury, dizem, ainda faz milagres para os que se ajoelham diante de seu túmulo, no Cemitério do Caju.

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