Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002

Primeira volta

A viagem começava ali na esquina da General Osório com José Paulino, quando o condutor descia pelos balaustres a barra de madeira pintada de azul. Em dia de chuva, ele baixava as cortinas, listradas de marrom, bege e vermelho, iguais aos manequins do Di Láscio, que “veste o homem, o rapaz e o menino”.
Estamos em frente do armazém do Sebastião Marino (ou Marinho?). Com um espelhinho, o condutor acertava os números do relógio que ficava entre os anúncios do Rum Creosotado (“Veja ilustre passageiro, que belo tipo faceiro o senhor tem ao seu lado”…) e do Elixir Dória, um homem engolia a cabeça de um boi. Puxava a cordinha, “dém, dém”, e ordenava: “Toca, motorneiro!”. O bonde 3, do Guanabara, partia.
Lá atrás, ia a “turma da cozinha”, infernizando a vida do cobrador, que, à essa altura, empurrava a molecada, que adorava andar no estribo, como “gente grande”, e descer do bonde andando, só para se exibir para as meninas. Atrás do encosto dos bancos, muito bem envernizados, um aviso em vermelho: “Cinco lugares em cada banco”. E sob o assento do primeiro, abria-se uma tampa que mostrava uma caixa de areia. Para que servia aquilo?
Já passamos o Edifício Tamoio, onde morava o Hugo Gallo Mantelato, a casa dos Gerin… O bonde vai se enchendo. Alguns rapazes teimam em viajar em pé entre as garotas, só para roçar seus joelhos nos delas. (Elas bem que gostavam…) Mais um pouco e aparecem o posto de gasolina da Zé Paulino com a Rua Jorge Miranda, o busto de seo Orosimbo Maia, a valeta e o Centro de Saúde. Também não sei por que, mas cada vez que alguém dava o sinal para descer, o motorneiro corria mais até parar no ponto. O breque do bonde era uma roda de ferro com uma espécie de manivela coberta por uma flanela. Brilhava sem passar Kaol.
Essa descida era um perigo. A turma do bar do ‘Chico Oreiudo’ costumava passar sabão no trilho, esparramar areia ou uma tampinha do guaraná Caçula bastava. Pronto! O bonde escorregava. Era uma gritaria dentro dele e uma gargalhada geral na calçada. Nunca nos pegaram… Nossa! Eu disse “nos pegaram”? Não tenho nada com isso! Acabou o espaço.
Pregado no poste: “A viagem continua amanhã.”

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