Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

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Perigo!

A pior dor do mundo está passando. E a ausência dessa dor não traz alívio. Quando ela se for de vez, a humanidade estará perdida. Será extinta. Sem essa dor, os seres humanos verão desaparecer o último fio de esperança que resta para que um dia, quem sabe, o homem sinta que ainda há salvação.

Vemos essa dor desaparecer nas telas da televisão, nas fotografias dos jornais e das revistas, ou ouvindo sua despedida nas entrevistas das emissoras de rádio. Mas essa é a dor que não pode nos deixar. Ela começou sua jornada do adeus há pouco mais de vinte anos, lentamente, dando sinais raros da partida. Hoje, ela acena quase todos os dias, até várias vezes ao dia, anunciando seu fim – que poderá ser o nosso fim.

Dói ver essa dor ir embora. Ela está passando sem remédio, mas depois, talvez a medicina não encontre remédio que a traga de volta. Será tarde.

Duvido que eu seja o único a perceber essa despedida. Quer ver como você também vai sentir que a dor, a pior dor da vida, está de saída?

Antigamente, diante de qualquer tragédia – um crime de morte, um acidente, um incêndio, uma catástrofe –, tanto para quem estava no lugar noticiando como para quem estava em casa, vendo, lendo, ouvindo, o momento mais triste, capaz de trincar a mente do repórter mais gelado, era o desespero dos parentes das vítimas. Nenhum de nós gosta de mostrar ou narrar essa passagem. Pior do que ver um corpo dilacerado é presenciar a tristeza de quem ficou.

Agora, atente para a reação das pessoas diante de um crime de morte. Mudou muito. Nada me incomoda mais do que a expressão de passividade, de naturalidade, com que parentes e amigos das vítimas relatam para os repórteres “como foi”, “quem era ele”, “quando foi visto pela última vez”. É a banalização da vida. Ela já tem menos valor do que um papel na bolsa dos valores da sociedade de hoje.

Nessa multidão de indiferentes, me espanta muito mais ver mães de olhos secos, garganta sem nó, rosto sem rugas, testa lisa, cabelos penteados e mãos abaixadas contando como o filho morreu pela bala de um traficante.

A dor de mãe está desaparecendo. Sem essa dor, nossa espécie está ameaçada.

Pregado no poste: “Viver só custa a vida?”

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