Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1999Crônicas

Pena de fome

Bom dia, “seo” Pagano! Aproveite que o senhor está nessa cadeira em que, às vezes, tira um soneca e feche os olhos. Não, não vá dormir de novo! O senhor acabou de acordar, lembra? Dona Marília preparou aquele belo café da manhã e o nosso prefeito está pronto para um dia de trabalho. Já fechou os olhos? Ótimo. Agora, imagine-se diante de pães quentinhos, salsichas, presunto, queijo, mortadela, geléia, doce de batata roxa, laranjas, fatias de melancia, mangas, bananas…

Pare de lamber o beiço, “seo” Pagano. Não estamos no café da manhã de um hotel cinco estrelas, não. Esse era o cardápio servido na merenda do glorioso e demolido Grupo Escolar Municipal “Corrêa de Mello”, ali perto do Mercadão. Uma escola da Prefeitura, a um tempo, humilde e eficiente. Talvez por estar perto do Mercadão, fosse motivo chacota. Diziam que era uma escola de caipiras, que ali os alunos podiam ir às aulas descalços – muitos eram filhos de sitiantes que vinham com a colheita da madrugada para vender nas bancas, enquanto as crianças estudavam. Fiz muitos amigos de infância com essa meninada da roça de Campinas, que se levantava antes do sol, com os pais, para poder estudar.

Alguns, cujos pais tinham de ficar na cidade o dia todo, assistiam às aulas pela manhã e ficavam no parque à tarde. Olhe só, “seo” Pagano, o elenco de grandes mestres que lecionavam ali: Afonsina Afonso Ferreira, Clélia Pires Barbosa Goulart, Nair de Godoy, Dona Alda, Dona Ofélia, professor Alcindo, Dona Alzira… E o diretor era o nosso João de Oliveira Toledo, pedagogo, jornalista, repórter da sucursal do Estadão. Suas bençãos, mestres!

Freqüentei muito aquele parquinho, “seo” Pagano. Nem sei o que era mais gostoso, se o convívio com os amigos, com as professoras ou o sabor e a variedade da merenda que a Prefeitura servia, pelas mãos da “dona” Cida. Os tempos eram outros e, cá pra nós, os prefeitos, também: Mendonça de Barros, Miguel Cury, Nicolau Ludgero “Gegero” Mazelli, Ruy Novaes – tempos em que a cidade tinha prefeito…

Ah! Todos, mas todos, os brinquedos do parque funcionavam: escorregadores, balanços, gangorras… Fabricados por uma empresa chamada Sobrinca. Será que ainda existe? Mais, “seo” Pagano: a escola e o parque eram limpos, muito limpos. Havia água filtrada, todos os banheiros em ordem, nenhuma lâmpada queimada, nenhum equipamento quebrado. Um paraíso. Cuidar da horta do parque fazia parte do currículo: alface, almeirão, agrião, rúcula, batatinha, hortelã. Os alunos da roça eram os mais espertos e, nessa tarefa, até as professoras aprendiam com eles.

Pode abrir os olhos prefeito. Agora, pegue esse exemplar do Correio Popular que está aí sobre sua mesa e leia. Está na primeira página: “Os alunos da rede municipal de ensino de Campinas encontraram ontem, no primeiro dia de aula do segundo semestre do ano letivo, além de novos professores, escolas sem merenda e sem funcionários. Faltaram cozinheiras, serventes, arroz, feijão e carne. Para suprir a escassez de alimentos, os diretores estão orientando os estudantes a levar comida de casa. Outra saída encontrada pelas escolas foi a dispensa dos estudantes no horário do almoço para fazerem a refeição em casa e só depois retornarem às unidades.”.

Que vergonha, “seo” Pagano!

Pregado no poste: “Saudosista é a mãe!”

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