Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2008Crônicas

Pegando fogo

Mas foi uma avalanche de impropérios contida por outra de reconhecimento e agradecimento. Prova de que a Dercy Gonçalves não foi unanimidade nacional, posto que toda unanimidade é burra, mas foi artista arrebatadora. Tempestade de paixões e ódios, mas de indiferença, jamais.

Pornográfica, desbocada, messalina, atriz ou meretriz por um triz, modelo de devassidão? Só vejo nela modelo de autenticidade. Mas deixemos as opiniões pra lá. Sua história no cinema é uma, a história permitida, e no teatro era outra, a história vivida. Quem a viu no nosso Teatro Municipal nunca a esquecerá. E até hoje é incapaz de se referir a ela sem um sorriso. Dercy gostava de Campinas, relação de amor e ódio — ódio nascido com a demolição do teatro que recebia as platéias que mais a aplaudiram, dizia.

Não foram poucos os artistas que adoravam a casa de Carlos Gomes: Grande Otelo estreou sua vida aqui. Mais? Bibi Ferreira, Paulo Autran, Tônia Carrero, Adolfo Celi, Niza Castro Tank, Eva Tudor vinha várias vezes por ano, além de Emilinha e Cauby, fãs incondicionais, assim como Arrelia, Pimentinha e sua troupe. É certo que depois da destruição do teatro, a cidade sumiu do roteiro dos grandes da arte de representar. Até hoje, há os que vêm para se revoltar contra a lastimável ausência de um teatro digno, justo na terra do maestro maior.

É criminoso que nenhum prefeito, nenhum vereador, nenhum grupo empresarial tenha se mobilizado para construir outro. Ensinam as palavras cruzadas que ‘ator’ é o homem que sabe fingir. Talvez por essa definição, nossas autoridades competentes se julguem representando no palco da rotina diária. Mas isso não é teatro, é a farsa que desmoraliza a comédia e a tragédia, papel reservado aos políticos omissos. Todos.

Juro, Dercy jamais fez filmes com estes nomes: O Vale das taradas; Deixa amorzinho… deixa; Viagem além do útero; O beijo da mulher piranha; Os violentadores de meninas virgens; Um jumento em minha cama; Coça que cresce; Confissões de uma xoxota; Cresce na boka; Curral de mulheres; A galinha do rabo de ouro; Põe devagar, põe devagarinho; Se a mulher solta o rabo, o marido leva o chifre; Eles só comem cru…

Acredite, todos realizados com recursos públicos, financiados pelo governo, ou seja, por nós, inclusive pelos que condenam Dercy.

Pregado no poste: “Deus ainda não parou de rir!”

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