Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2005Crônicas

Passado ao ponto

Francisco João di Mase Galvão, de apelido Fraju, vem com seu terceiro volume de memórias. Vamos folhear? Obra preciosa:

“Escrevo com a maior satisfação os nomes dos ‘cobras’ do time do campinho do fim da Rua Professor Luiz Rosa: Fraju, Bita, Lúcio, Cantinflas, Neguinho (da casa da Turma 18 da Estrada de Ferro Funilense), Paulinho Baraldi, Wolney, Fábio Luchési, Robertão, Jamelão, Wilson Malavazi o ‘Peludo’, Pedrinho Basso, Tadayoshi, Henrique (morava na Rua Jorge Miranda), Admir Torquato, Lineu, Luiz Carlos Rossi e Machado & Machadinho, irmãos que moravam no final da Delfino Cintra, perto da PUC, num dos primeiros prédios daquela rua, chamado ‘Boa Esperança’. Com toda humildade, coloquei meu nome…

Não jogávamos de chuteiras Nike nem bola Penalty, muito menos com propaganda na camisa. Era um lado com camisa e outro sem camisa. E olhe, sem modéstia novamente, éramos bons de bola. Ali era nossa escola. Não era escola de futebol nem grama sintética. Terra batida. Tomo a liberdade de escrever em memória de meu pai, que morreu tão precocemente, em 1963. Foi quem me ensinou a jogar no gol. Ele me treinava em casa e me incentivava lá no campinho. Ô velho bom! Como me faz falta até hoje! Em memória também de Fauze Selhe, que me treinou muito e também está no céu.

Leio com freqüência sua coluna, onde você destaca o nosso inesquecível prefeito Miguel Vicente Cury. Fico contente e conto uma passagem dele: às vezes, estávamos jogando bola no campinho e eis que aparecia aquela figura bonachona, lá atrás das traves que davam para a Rua Barão Geraldo de Rezende. Era o nosso prefeito! Várias vezes, ele saía do seu escritório e ia nos ver. Às 17h30, tocava aquele apito, saindo da chaminé da fábrica. Ele nos deixava só para ver a saída de seus funcionários. Que tempos!

Na época do seo Miguel, houve a compra dos bondes pela Prefeitura, lá por 1960. Então, embaixo daquele relógio que marcava o número de passageiros que pagavam a passagem, estava escrito ‘CCTE’, que queria dizer, Companhia Campineira de Tração Elétrica. A gente traduzia para ‘Cury Comprou Tudo Estragado’. Coisas de estudantes do Liceu. Essa inscrição existia mesmo. Quando o fiscal entrava na ‘cozinha’ do bonde, no lado oposto ao do motorneiro, ele pegava um espelho para verificar o número no relógio. Coisas do passado…

Com tudo isto, quase sem fiscalização, totalmente aberto, o bonde ia feito um pacote de gente, apinhada no estribo, em pé entre os bancos. Ninguém ousava descer sem pagar. O cobrador começava lá em uma ponta do estribo e vinha recebendo, com as notas de ‘cincão’, ‘milão’ (o Cabral) entre os dedos. E quem estivesse em outra ponta jamais deixava de pagar. Hoje, meu amigo, se ele tentasse receber de certas pessoas, estaria arriscado a morrer. Coisas da era moderna.

Na adolescência, nos reuníamos para falar de futebol, meninas, mas era a escola o assunto predileto. Nossos professores, verdadeiros mestres. Eu falava dos do Liceu, outros do Culto à Ciência, Ateneu, Vitor Meirelles, Escola Normal, Imaculada, Ave Maria… Perseguíamos erros de português nos jornais, nas propagandas. Na época, tocava uma música no rádio do ‘Nilo Amaro e seus Cantores de Ébano’ chamada ‘Leva eu’. Erro impressionante: o certo é ‘Leva-me’.

Discutíamos qual era o professor melhor. Não éramos preocupados com Ronaldinhos da vida e se ele vai se casar com quem ou quando. Coversavámos sobre o movimento da Bossa Nova e seus protagonistas: João Gilberto, Carlos Lyra, Vinicius, Elis, Nara, Bôscoli, Tom Jobim, Miltinho… Gente de quilate, que fazia música mesmo, sem erros gramaticais gritantes e sem mesmices. Tudo sem mídia, sem manipulação de grandes gravadoras para que as rádios tocassem. Eles eram tocados porque eram cultura musical de primeira, sem grifes, BMWs nem fazendas para exibir ao público.

Será que éramos exigentes ou eles eram bons mesmos?

Pregado no poste: “Insisto: quem mandou matar seo Toninho!?”

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