Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1998Crônicas

Parece que foi ontem

Papai Noel esteve em sua casa ontem? Você acredita em Papai Noel? Pois quando eu estava começando a duvidar de sua existência, ele apareceu lá em casa: em carne e osso, mais carne do que osso. Do jeitinho que importamos São Nicolau da Áustria. Roupas vermelhas, marcadas em branco de neve, barrete com direito a pompom, botas e cintas pretas, fivela prateada. Rosto rosado de rouge, barriga de verdade, sem travesseiro para disfarçar. Sino agitado pelas mãos vestidas de luvas pretas. Era ele. Só que em vez de trenó puxada por renas, chegou num caminhão baú. Entrou pela porta, posto que minha casa não tinha chaminé — nem me preveni, deixando pares de meias ou de sapatos na janela.

Fez um estardalhaço. Com aquele sino, pôs a vizinhança espantada atrás de si. Invadiram minha praia em plena noite de Natal. E eu ali, não acreditando nos olhos nem nos ouvidos. Deixou presentes para mim e promessas para a garotada, que sempre me desafiava: “Deixa de ser bobo, Papai Noel não existe!”. Foi a desforra: “Vocês não acreditam nele, não ganharam presentes…”. E essa, agora? Por tempos não se falou em outra coisa: “Papai Noel existe!”. Depois daquela, amigos de infância passaram a jurar que, na Páscoa, o coelho viria. Para quem duvidasse, nada de ovos de chocolate. Dali em diante, acreditaram até no Capitão Sete, no Flash Gordon, no Falcão Negro, no Fantasma, também. E o medo de vê-los, para provar que existiam?

Presentes? Um trem de madeira, um patinete, um posto de gasolina Gulf e uma fantasia de índio para o Carnaval, dali a uns dois meses. Tudo exposto debaixo da árvore enfeitada com aquelas bolas coloridas que se quebravam com um sopro. Comeu bolo de mel, tomou guaraná Columbia e saiu com a mão esquerda carregada de brigadeiros. Na direita, o sino, que não parava de bater, acompanhando João Dias na vitrola: “Bate o sino, pequenino, sino de Belém; já nasceu o Deus Menino, para o nosso bem; Paz na terra, pede o sino…”. Mais: “Amanhã, ó criançada, vem o bom Papai Noel; para o Zeca, uma peteca; para o Zito um apito; e uma bola de chutar é o que quer o Alencar…”.  Letra dura de entender: “Não conheço nenhum Zeca, Zito ou Alencar; apito e peteca lá são presentes de Natal?”.

Duvidar como? Eu tinha estado com ele durante todas aquelas noites que antecedem à de Natal. Na Barão de Jaguara, na Campos Salles, na Francisco Glicério, na Treze de Maio… Para criança, é sempre o mesmo, onipresente. Eu lá ia adivinhar que cada loja tinha um. Para mim, aquele Papai Noel de Campinas me perseguia. Ele prometeu baixar lá em casa, sem aquela conversa fiada de “se você for bonzinho, vou levar muitos presentes…”. Também não me lembro de ter pedido nada àquela figura. De repente, apareceu, para espanto meu e algazarra da vizinhança.

Não me lembro de como o encanto se quebrou. Mas foi uma jogada de marketing, quando essa prática estava na idade da pedra. Existia uma loja tradicionalíssima em Campinas, a “Galeria Paulista de Modas”, antiga “Casa Alemã”, que teve de mudar de nome durante a II Guerra, porque na guerra era proibido ser alemão ou japonês no Brasil (Italiano podia, né? Afinal, alguém ia levar italiano a sério?). Foi o Papai Noel dessa Galeria Paulista que se concretizou em minha rua naquele Natal. Obra de uma tia mágica, a Zezé de 32, em conluio com a gerente da loja, sua amiga desde antes de nascer. A cidade era tão boa de se viver, que até essas magias aconteciam. Agora, mataram até o Noel.

Pregado no poste: “Não deixe morrer o Papai Noel que há em você”

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