Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002

Ouro no lixo

Há duzentos anos, o Brasil vivia o fim do Ciclo da Mineração. Os últimos garimpeiros vasculhavam o que restava das jazidas das Minas Gerais — ouro e pedras preciosas arrancadas do nosso chão, levados para Portugal e entregues à Inglaterra. Assim, o Brasil foi o grande patrocinador da primeira Revolução Industrial. Fosse hoje, talvez víssemos operários ingleses ostentando em seus macacões a bandeira brasileira com a inscrição do patrocinador “Ordem de Portugal e Progresso da Inglaterra”. Aqui, nossa bandeira teria outro dístico: “Dei ouro para o bem dos ingleses”. Por isso, até hoje, dizem que as multinacionais não querem o nosso bem, mas os nossos bens.
Naquele tempo, os colonos brasileiros garimpavam ouro. Mas o País “evoluiu” muito nesses duzentos anos. Para nossa vergonha, Campinas é o símbolo dessa “evolução”. Nesta cidade, fundada em pleno Ciclo da Mineração por bandeirantes em busca do ouro, os garimpeiros deste fim de século garimpam no lixo. Pouco mais de dois séculos separam a saga dos homens de Barreto Leme da degradação dos que chafurdam nos lixões. Aqueles bandeirantes sonhavam com grandeza e riqueza, os garimpeiros de hoje sonham encontrar jazidas de restos de lixo que os mantenham vivos por mais um dia.
De Barreto Leme a Francisco Amaral, diria Napoleão Bonaparte a esses profissionais do lixo: “Do alto dessas campinas, 200 anos de degradação, agora, vos contemplam”. A forma como os responsáveis pela área social da Prefeitura conduzem essa degeneração é digna da pré-história. Em vez de investir em programas que retirem campineiros desassistidos daquele cenário desumano, o Poder investe na institucionalização da miséria. Chega ao requinte de cadastrá-los e promete abrir nova frente de trabalho degradante. “A alternativa visa a assegurar o mesmo tipo de trabalho aos garimpeiros, mas a partir de material já selecionado pelo Departamento de Limpeza Urbana”, diz a proposta da Prefeitura. É a confirmação do velho jargão popular: “Mudam o lixo, mas as moscas continuam as mesmas”.
Os homens que servem ao poder de plantão dizem que tentam “convencer os trabalhadores do lixão a deixar o local há muito tempo”. Claro, não enxergam um palmo adiante do nariz. Como convencer alguém a mudar de vida se não trabalham para oferecer alternativa? E a alternativa que apresentam é levá-los para outro lixão. Não é uma graça? Ionesco e Franz Kafka não encontrariam enredo melhor.
São 185 adultos e 67 crianças, todos campineiros, ameaçados diariamente pela maior concentração de focos de doenças que pode existir. Tudo ali é ilegal. E o prefeito é advogado. Nem que fosse açougueiro.
Prefeito, chegou sua vez de garimpar. Não espere que o ouro caia do céu. A preciosidade de que a cidade e o Brasil precisam está nesse lixão, sim. São seres humanos à espera de lapidação — oportunidades que o Poder Público tem obrigação de oferecer e o senhor prometeu em campanha. Em vez de se preocupar em abraçar os malufs da vida, e da morte, abrace essa gente da sua terra e conquistará a lavra mais produtiva que um governante pode alcançar. O senhor estará garimpando ouro para o bem do futuro.

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