Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2006Crônicas

Olha a rapadura!

Vamos ser claros no Reino das Águas Escuras. Ou, como diria Millôr Fernandes na memória do Edimilson Siqueira, “exercer a literatura possível na atual conjuntura.”.

No reino das Águas Escuras, viviam em paz, ungidos pela nobreza, clero, povo e paus d’água, os próceres do poder e seus acólitos, áulicos, servidores, serviçais, amigos e amigas de copa, cozinha, cama, mesa e banho. Principalmente cama. Tudo bem caseiro.

Mil maravilhas.

A corte era uma colcha bem costurada, feita com retalhos de todas as cores, de todas as regiões do reino – das mais ricas às mais pobres, das mais dignas às mais podres. De fazer inveja aos carroções do velho oeste. Está certo que havia algumas esquisitices ali: o chefe dos revólveres era dono de uma tecelagem; o homem do dinheiro, um curandeiro, posto que disseram ao chefe maior que dinheiro é coisa que transmite doença; o do crescimento tinha um matadouro; o da agricultura estava no lugar certo e a da casa civil ou militar, tanto faz, também. O resto era descartável, no bom sentido, daqueles que, se entram ou saem, ninguém percebe, ninguém liga.

Com áulicos, acólitos e bajuladores de toda laia ali representados, era natural que na sede da corte se formassem republiquetas dentro do império – melhor, repúblicas. Isso não ia dar certo. Uma dessas era freqüentada por um homem de confiança de um dos poderosos do lugar. Encantou-se por uma súdita, bela, muito bela, diziam. Mandou a matriz, que vivia fora da corte, caçar sapo até virar princesa, e decidiu viver com a filial na matriz do reino. Mas, crueldade, foi só uma lipo matar jovem parente do velho homem de confiança e afastá-lo por uns tempos da sede, para um par de chifres começar a crescer. O problema não era tanto o crescimento do par de chifres, mas a notícia se espalhando e a caboclada cobrando: “Puxa vida! Seu amigo! Que amigo! Que pedreira! Que empreitada! Essa é dose pra leão!”

Começou a vingança do traído. E não é o único. Outro da republiqueta tinha uma fazenda, como testa-de-ferro do bruxo. Quando o testa também trocou a matriz pela filial, a matriz, bem feito!, exigiu a fazenda. Levou.

Preocupem-se. Cartas vindas da corte revelam: o nervosismo é cada vez maior.

Pregado no poste: “Quem apóia o Lulla veste a camisa ou a carapuça?”

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