Moacyr Castro

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Obras falsas de Portinari no Brasil e no exterior

RIBEIRÃO PRETO – Em 20 anos de pesquisa sobre a obra do pintor Cândido Portinari, seu filho, João Cândido, revela que, depois do exame de 5.300 quadros, foram encontradas 200 peças falsificadas e há dúvida sobre a autenticidade de 500. “Infelizmente, no Brasil, essas falsificações não podem ser destruídas, porque a lei não protege os verdadeiros autores nem os detentores de suas pinturas. Se eliminarmos uma falsificação, seremos processados por destruição de propriedade alheia, ainda que essa propriedade seja uma fraude.”. A denúncia de João foi feita na noite de quarta-feira, no Theatro Pedro II, em Ribeirão Preto, para uma platéia de convidados à conferência de abertura da exposição “Interior de Portinari”, que começou ontem no Museu de Arte da cidade e chegará dia 23 a Campinas.

Engenheiro de telecomunicações e diretor do Departamento de Matemática da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, João estava emocionado por rever a região em que seu pai nasceu, em 29 de dezembro de 1903, na cidade de Brodowski, a 25 quilômetros de Ribeirão. Emocionado e indignado com o descaso com a arte no Brasil.

Primeiro, ele cativou os convidados com a exibição do “Projeto Portinari”, um audiovisual com os 4.600 quadros e murais digitalizados com a obra do pai, destacando histórias, curiosidades e raridades das peças mais importantes. Cada uma teve a trajetória resgatada, desde que saiu do ateliê do pintor até o nome do atual proprietário, no Brasil e no exterior. João conseguiu, por exemplo, encontrar “Baile na roça”, que está na Alemanha, pintado em 1924 e que Cândido Portinari nunca mais viu depois de vendê-la. Há um “Dante Aligheri com a namorada”, que se chamava Beatrice Portinari, mas não se sabe se ela é ancestral da família de “Candinho”, que veio da Itália para o Brasil no fim do século passado, para trabalhar nas fazendas de café da região da Alta Mojiana.

Entre as 4.600 pinturas, está a primeira, um desenho de Carlos Gomes, feito em 1914 a partir de um maço de cigarros, quando Portinari tinha 11 anos. João encontrou uma novidade: um brasão para a cidade de Brodowski, que o pai desenhou em homenagem à sua terra natal. “Nem em Brodowski sabem desse brasão; vou dar de presente à cidade”. É uma locomotiva e um vagão, passando por uma ponte de pedra. Uma das maiores dificuldades da pesquisa é descobrir a data em que Portinari fez suas obras: “Mais da metade delas não tem data”, diz João Cândido.

DESCASO

João aproveitou a conferência para lamentar o desinteresse das autoridades brasileiras com os artistas brasileiros. “Vemos a badalação que existe no Brasil com a promoção que se faz em torno de exposições de Monet, Rodin, Salvador Dali, Picasso… E o autor brasileiro?”. E continuou: “No Brasil sempre houve esse desprezo pelo que é nosso. Eu me lembro de que quando era criança, havia um anúncio no Correio da Manhã, que dizia ‘Técnico alemão conserta geladeira’. Todo mundo ia lá só porque ele era alemão…”.

Ele contou que quando decidiu executar o Projeto Portinari, em agosto de 1978, procurou a Funarte, órgão do Ministério da Educação e Cultura, no Rio de Janeiro, para expor o plano de recuperação das obras de Portinari. “O diretor da Funarte ouviu com displicência minhas idéias e me mandou voltar em março do ano seguinte porque, naquele momento, não dispunha do formulário que deveria ser preenchido para pleitear recursos!”. Mais recentemente, ele procurou com insistência o ministro da Cultura, Francisco Weffort, para falar do projeto. “Um assessor do ministro me mandou um fax dizendo que o ministro não tinha tempo para me receber!”.

Mais: estarrecido, João Cândido disse que não se pode, mesmo, esperar muito das autoridades brasileiras, “afinal, a Embaixada do Brasil na França inaugurou uma galeria de arte e pôs nela o nome de Debret!”.

Sobre as falsificações dos quadros do pai, João Cândido disse que há poucos meses, ele acompanhou a polícia numa favela do Rio de Janeiro, onde havia um depósito com dezenas de obras falsas de Portinari. “Mas nada pôde ser feito, porque, ao contrário de outros países, essas fraudes não podem ser destruídas. São propriedades alheias”, ironiza.

João fez outra denúncia: “Descobrimos uma senhora uruguaia que vendia quadros do meu pai no Paraná, em Minas, Goiás e Mato Grosso, com chancelas de autenticidade do Consulado do Brasil em Montevidéu e assinadas pelo cônsul brasileiro. Tudo falso.”.

Diante dessas dificuldades, João Cândido considera a execução do Projeto Portinari “um milagre”. E elogiou a iniciativa da EPTV e da CPFL que estão apoiando a mostra “Interior de Portinari”, um acervo de 28 obras que retratam cenas do interior de São Paulo, principalmente da região de Ribeirão Preto. Segundo João, “é desse interior onde mais se respeita a brasilidade, um sentimento muito grande da alma de meu pai.”.

No encerramento da conferência, João Cândido saudou o soldado da Polícia Militar Antônio Squarize, vigia do acervo de Portinari na igreja matriz de Batatais. Esse policial cursou Filosofia naquela cidade, exclusivamente para escrever uma tese sobre o pintor: “O contexto filosófico, social e político de Portinari nas obras sacras”. A tese virou livro e será lançado nas próximas semanas, com patrocínio da Companhia Telefônica Brasil Central.

“Interior de Portinari” estará no Museu de Arte Contemporânea de Campinas a partir do dia 23 até 10 de outubro. No dia 22, João Cândido vai mostrar o Projeto Portinari no Salão Vermelho do Palácio dos Jequitibás e conversar com a platéia.

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