Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002

O último toque

Sem brincadeiras, porque o assunto é sério. Muitos homens estão morrendo de preconceito. Machismo é o nome desse preconceito e essa é a maior causa da morte por câncer de próstata. Muitos nem sabem o que é isso. Outros tantos nem sabem que têm próstata e só descobrem que ela existe quando é tarde demais, embora sem ela ninguém existiria na face da terra. E milhões embarcaram mais cedo para a face do céu, por causa dela.
Só o homem tem próstata (é preciso dizer), assim como só a mulher tem útero (é preciso dizer, também). Certa vez, assistindo à entrevista de um urologista na televisão, ele recomendou: “Estamos investigando, mas parece que fazer xixi após uma relação ajuda a prevenir o câncer de próstata.”. A repórter que o entrevistava emendou, tranqüila: “Ah, isso eu sempre faço!”. O doutor sorriu amarelo e acrescentou: “Pois bem, peça ao seu parceiro que faça também…”.
Nos dicionários, está claro: ”Corpo glandular próprio do sexo masculino, que envolve o colo da bexiga e a primeira parte da uretra. Apresenta a forma e o volume de uma castanha; está situada na região superior do períneo e compõe-se de uma parte secretória, que produz o líquido prostático, e fibras musculares lisas estriadas.” Por definição, “é coisa de homem”, como diria Jorge Amado.
É aí que a coisa pega. A medicina avança. Tanta tecnologia a serviço dela, que está desaparecendo aquele médico capaz de descobrir o que o doente tem apenas tocando-lhe o corpo. Sem máquinas e exames de laboratório para ajudar no diagnóstico, os médicos eram obrigados a desenvolver a sensibilidade na ponta dos dedos para encontrar a moléstia e suas causas. Hoje, até para identificar caspa, unha encravada e seborréia, eles podem recorrer à parafernália. Ontem, até derrame eram capazes de prevenir, com uma simples observação de veias saltadas pelo corpo.
Consultei um bom ginecologista (calma, foi só para tirar uma dúvida) e, juntos, concluímos que praticamente não há mais o que “tocar” no corpo humano para desenvolver um diagnóstico. As máquinas e os exames laboratoriais fazem tudo pelo médico e pelo paciente, com exatidão matemática e, sem trocadilho, precisão cirúrgica. Há casos de pessoas que tiveram enfarte, nem perceberam, e anos depois, um “eletro” revelou. Está perto de a ressonância magnética captar pensamentos.
Resta o exame da próstata. Desse, ninguém escapa do toque. E é por causa desse toque que salva, que a vida de muitos homens (ignorantes) não tem salvação. Sobrou para os urologistas o último toque da medicina.
Está certo que exames de sangue, de urina e até o ultrassom entram no arsenal desse médico, para ajudá-lo a nos examinar. Mas os indícios de câncer na próstata só o toque do médico é capaz de identificar. Muitos homens (ignorantes) fogem desse toque, sem saber que estão fugindo da vida. Não estou falando de matutos, não! Estou falando de machistas. Ouvem-se os argumentos mais absurdos: “Eu sou homem!”. “Tenho medo de todo mundo ficar sabendo!”. “Aqui, jamais!”. “Conheço um cara aí que depois de fazer o primeiro, agora faz toda semana!”. “Pra quê, se nunca senti nada?!”. “Tá louco! De repente, acabo gostando…”.
Pregado no poste: “Já tomou seu toque este ano?”

 

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