Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1998Crônicas

O retrato do velho

“Bota o retrato do velho outra vez,

Bota no mesmo lugar!

O sorriso do velhinho

Faz a gente trabalhar!”

Essa letra infernizou o Carnaval de 1950, ano eleitoral, com aquele Getúlio Vargas candidato à Presidência da República. Na voz de Francisco Alves, um grande “puxa-saco” do Estado Novo, essa marchinha ajudou a levar de volta aquele ditador corrupto e assassino ao governo do Brasil. Mais sucesso do que essa, só a do Braguinha, “Touradas de Madri”, composta no meio do ano, para comemorar a vitória da Seleção Brasileira contra a Espanha, na Copa do Mundo, disputada no Brasil, naquele mesmo ano.

O governador de São Paulo (pois é!) respondia pelo nome de Adhemar de Barros e se candidatou ao Senado, na mesma chapa do facínora, tendo Lucas Nogueira Garcez como seu candidato ao governo paulista. E a modinha dessa dupla pregava: Presidente Getúlio;/ Adhemar, senador;/ E Lucas Garcez/ Pra governador./É PTB é PSP… Getúlio e Lucas ganharam a eleição. Adhemar perdia mais uma.

Uma das últimas realizações de Adhemar no governo foi a pavimentação da Via Anhangüera, de Jundiaí a Campinas, exatamente naquele ano eleitoral. A obra ficou marcada por um monumento de uns cinco metros de altura, na margem esquerda da estrada, sentido Campinas-São Paulo. Com direito a um busto do Adhemar e uma placa de bronze, enaltecendo o evento. Como se vê, já naquele tempo, os poderosos de plantão gostavam de uma idolatria.

Enquanto Adhemar deu cartas na política paulista, num jogo em que tinha Jânio Quadros do outro lado da mesa e o povo de capacho dos dois, o monumento, o busto e a placa ficaram lá, intactos. De vez em quando, o pessoal do Departamento de Estradas de Rodagem limpava o serviço que os pombos e outros pássaros faziam na cabeça do homem. Quem vinha da Capital para Campinas, de carro, caminhão ou nos ônibus da Cometa e do Expresso Brasileiro, sabia que passando a cara do Adhemar, estava entrando em Campinas. Era a hora de tirar as malas do bagageiro que ficavam sobre os bancos, passar um pente no cabelo e esperar o desembarque, no largo da estação da Paulista ou no ponto final, na Campos Salles, quase esquina da Glicério, no Largo do Rosário. (A cidade não tinha estação rodoviária. Havia ônibus chegando e saindo da Andrade Neves e até do Mercadão.).

Em 1962, o Adhemar voltou ao governo paulista e, em 1964, até ajudou os militares a derrubar o Jango, na eclosão da “redentora”. Mas a pressão da sociedade fez os novos donos do Poder cassarem seu mandato. (Não mudou muita coisa, porque seu vice era Laudo Natel.). De repente, alguém se tocou que na via Anhangüera, havia o busto de um “cassado pela revolução”. Numa madrugada chuvosa, aquele busto foi jogado na porta do prédio do Correio Popular, quando a redação e as oficinas do jornal funcionavam na Rua da Conceição. Dizia-se que foi obra de alunos ou oficiais da Escola de Cadetes. Nada foi apurado. (Você se lembra disso, Beto Godoy?).

Com o fim da ditadura, o busto do velho Adhemar voltou para a beira da estrada. Sábado, passei por lá, a caminho de Vinhedo, e… cadê o busto? Arrancaram de novo! E agora? Quem foi? Levaram até a placa!

Pregado no poste: “O ‘Pinochet de Cuba’ também será julgado por crimes contra a humanidade?”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *