Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2005Crônicas

O rei de Romi

(Deus me livre, mas quando acaba o Jornal Nacional parece que o Brasil é governado por quadrilhas!)

Dizem que o diamante é eterno. Também acho. A Indústria Romi, de Santa Bárbara d’Oeste, do seo Américo, celebra o jubileu de diamante e parece eterna como a pedra preciosa. Enquanto isso, comemoro o jubileu de ouro da visita que fiz, moleque de tudo, a esse paraíso das máquinas. Não dá para esquecer: chegavam do porto de Santos as plataformas para montar o primeiro carro genuinamente brasileiro, a Romi Isetta, incrível bolinha de dois lugares que arrancava sorrisos de carinho e simpatia pelas cidades aonde rolava.

Viagem no fascinante Trem de Luxo da Paulista, que vinha de São Paulo rumo a Bauru. Quadros de artistas brasileiros nas paredes dos vagões azuis; carro-restaurante aonde homens só entravam de paletó e gravata. Toalhas de linho branco e prataria nas mesas – hoje não ficaria nem uma colherinha de café para contar a história. Café servido em xícaras de porcelana. Tudo com o ‘C’ e o ‘P’ entrelaçados, marca inconfundível de uma das três melhores ferrovias do mundo. Nascida em Campinas, claro. Naquele tempo, a cidade mais civilizada da América Latina. O ponto brilhante no planeta azul, que deslumbrou Gagarin.

Era 1955 para 1956. Na Romi, trabalhava um homem de nome Lino. E antes que a memória não se apague de vez, tudo o que me lembro era de um salão enorme – porque todo lugar é enorme quando se têm cinco anos – cheio de homens de macacão, a correr com ferramentas nas mãos e um barulho infernal, sob luzes amarelas das lâmpadas que pendiam do teto. Seo Lino e sua Gilda eram compadres de uma tia. A filha deles, loira, e o namorado dela, também loiro, era o Léo. Não me esqueço do nome, porque na volta da fábrica, voltamos à casa deles para o chá das cinco e eu, brincando no quintal, prendi o pé na tela de arame do quarador de roupas. Esse Léo me ‘salvou’. Que coisa! Naquele tempo, se tomava o chá das cinco e se quaravam as roupas da família.

(Ei! Sua casa tinha quarador no quintal? Era de tela de arame ou no canteiro de buxinho?)

Antes ou depois da Romi-Isetta, aquela sempre foi a fantástica fábrica de fazer máquinas. Quase três mil por ano! Uma jovem belíssima e forte, aos 75 anos, a exibir seus dotes ao mundo inteiro, para orgulhar Santa Bárbara e sua gente.

Mas o carrinho que ela não faz há mais de 40 anos é que marca sua história de riqueza e trabalho. Está na história. No antológico filme “Absolutamente certo!”, o personagem do galã Anselmo Duarte compra uma Romi com o dinheiro do prêmio, por saber de cor a lista telefônica de São Paulo. Ela foi prêmio na ficção e de verdade. Pela conquista da Copa do Mundo da Suécia, sua majestade o Rei Pelé ganhou uma Romi na Bauru, que o viu nascer para o futebol. Essa bolinha também foi o carro do ‘Padre Antônio’, personagem do ator Felipe Carone, na novela “De quina pra lua”, na Globo de vinte anos atrás. Nossa bolinha mágica foi até ‘jogador de futebol’ numa peleja no Pacaembu, ainda nos anos 50s. Uma frota de Romi realizou a façanha da “Caravana da Integração Nacional” e depois de sete mil quilômetros, entrou em Brasília no ano da fundação.

Ironia: o mesmo JK que recebeu os viajantes criou o Grupo Executivo da Indústria Automobilística, o GEIA, para incentivar a fabricação de carros no Brasil. Capítulo 1º: financiamento apenas para automóveis com mais de uma porta. A Romi-Isetta só precisava de uma. Era o sinal de que as multinacionais chegavam para destruir a concorrência e mandar nesta eterna colônia – sempre com a ajuda traiçoeira dos governos.

Pregado no poste: “O Lulla sabe o nome de todos os seus ministros?”

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