Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

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O que você quer ser?

Nos tempos do ditador Fulgêncio Batista, o sonho da jovem cubana era ser bailarina. E do jovem, garçom de boate ou de bordel. Crupiê também era uma carreira promissora. Afinal, naquele tempo, Cuba era um night club dos Estados Unidos. Depois da revolução, o sonho de qualquer cubano é ser balseiro. Lá não dá para ser nada: o povo pensou ter se livrado de uma ditadura e caiu em outra. O jeito é pegar uma balsa e fugir pelo Atlântico. Melhor arriscar a vida que viver ameaçado de morte, só por pensar diferente do folclórico bufão que manda na ilha.

Em pleno período de exames vestibulares, a lista de cursos à disposição dos estudantes faz a gente pensar no futuro dos formandos. Direito, Medicina e Engenharia continuam as vedetes. “O que você quer ser quando crescer?” Advogado, médico, engenheiro… No Brasil, já há mais advogados do que índios, mais médicos do que corintianos e mais engenheiros do que políticos (ainda bem!). Lembra daquele anúncio em que um porco perguntava ao leitão: “O que você vai ser quando crescer?” O leitãozinho respondia: “Salsicha, ué… Mas salsicha do Frigorífico Santo Amaro, né?” Influência da televisão.

À medida que a importância da educação diminui no País, os horizontes da juventude encolhem. Há uns dez anos (acho que já contei isso aqui), entrevistei um grupo de jovens bóias-frias que fazia a Primeira Comunhão no interior de São Paulo. Lá pras bandas de Uirapuru, confins da Alta Paulista. Gente boa da roça, mas já contaminada. Uma garota loirinha, cinderela do lugar, me disse que pediu a Deus para ser “balconista do Mappin”. O rapaz queria ser ator, como o Nuno Leal Maia. “Por que o Nuno?”, perguntei. “Porque ele é namorado da Vera Fischer na novela”… Insisti: “Você quer ser ator ou namorado da Vera?” Ele escolheu os dois caminhos e acabou em lugar algum. Os pais da “cinderela”, mais espertos, sonhavam com “a fazenda do iogurte Chambourcy e com os cavalos do anúncio do cigarro Marlboro”. Até eu…

Com o tempo, os cursos oferecidos nos vestibulares do Brasil vão desaparecer. Medicina? Para que ser médico, se o engraxate do médico ganha mais? Engenheiro? Conheço um que é vendedor de discos numa loja do shopping. Advogado? Em Franca, há um que trabalha numa oficina de conserto de fogões e, nas horas vagas, é entregador de gás. Não estou brincando. Quer uma prova da degradação a que os políticos levam o Brasil? É só percorrer as barracas de camelôs aí da cidade. Você vai encontrar vários deles com um diploma universitário em casa, jogado no meio da tranqueira que ele venderá na praça. Essa mercadoria, de providência duvidosa e sem nota fiscal, vale mais do que o diploma.

Mas esteja certo de que o sonho que povoa a cabeça de boa parte da moçada já é ser ex-paquita, “atriz” pornô, pastor eletrônico, jogador de sinuca, “modelo”, dançarina de ratinho, garçonete de drive in — todas atividades produtivas, que não exigem estudo nenhum e, no Brasil, são mais valorizadas. No fundo, no fundo, há os que querem ser traficantes, mas não têm coragem de confessar. Por isso, este é o país mais desenvolvido que existe.

Há pouco, nosso Correio publicou uma pesquisa em que, felizmente, se via uma luz no fim do túnel. Nenhum jovem entrevistado almejou seguir a carreira política. Já imaginou a vergonha de chamar esses tipos de “nobre colega?”.

 

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