Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1997Crônicas

O que é que há com sua perua?

Brasileiro adora uma perua. Uma herança que vem dos tempos da primeira invasão francesa, esparramada no Rio de Janeiro pelos homens de Nicolau Durand de Villegaignon. “Qu’est ce qu’il y a avec son dindon?”, eles perguntavam aos homens, quando o comportamento dos brasileiros os intrigava. Com malícia indecifrável para os primeiros colonos desta eterna colônia, eles indagavam as mulheres: “Qu’est ce qu’il y a avec sa dinde?” Já imaginou a cena? Naquele tempo, nem galinha ciscava no Brasil, quanto mais perus e peruas. Quer dizer, havia, mas não…

Essa briga entre perueiros e empresários de ônibus já virou peruagem. Falta pouco para sair grugulejando e anunciar que sobra espaço no poleiro de cada um, para levar mais um passageiro. Por essas e outras, o ônibus está deixando de ser o galo, o “rei do terreiro”, na rinha em que se transformou o transporte público de Campinas. Sorte do bonde, que soltou o último canto há quase 30 anos, e assiste à confusão lá da Lagoa do Taquaral.

Um dicionário do Aurélio, edição dos anos quarentas, diz que o peru é uma “grande ave galinácea doméstica; namorado ridículo (olha só!); embarcação grande de carga com um só mastro, em forma de canoa”. Você já viu peru com dois mastros? Nem eu. E chama a perua de “fêmea do peru; bebedeira; mulher de vida irregular; marafona”. Em Portugal, os “aurélios” de lá tiram o corpo fora e quando falam em mulher de vida fácil, deixam claro que se trata de “gíria brasileira”.

Por isso, o brasileiro não abre mão da perua. Até por uma questão de mercado e de preferência popular. Ainda nesta semana, as fábricas de automóveis anunciaram os modelos condenados à morte, aqueles que sairão de vez das linhas de montagem até a virada do século. Pela ordem, vão para o abate o Kadett e o Ômega, em agosto do ano que vem; o Tempra “morre” em 1999 e o Corsa e o Fiorino, em 2000. O último Gol será “marcado” no primeiro ano do século 21. Isso se até lá, o presidente de plantão no Planalto não pedir que ele fique. Como se vê, nenhuma perua está marcada para morrer. O Itamar, que gosta tanto, em vez de pedir a ressurreição da perua DKW ou da Belina, sentiu saudade justo do Fusca. Ele veio e se foi. Pena que não levou o Itamar junto.

Enquanto isso, peruas e seus perueiros pintam na paisagem das cidades. Provocam um escândalo previsível, em se tratando de peruas. Entre a cara privacidade do táxi e o aperto exagerado do ônibus barato, vamos todos de perua. Sem preconceito: até as importadas estão nas filas. Logo, logo, ela serão apelidadas de “polacas”, como as “peruas” de vida fácil que alegravam a Côrte, desde os tempos de dom João VI, pai de dom Pedro I, que de tão chegado a peruas, fez marquesa de uma delas.

A única vez em que o Collor abriu a boca para dizer algo útil, definiu os carros nacionais como “carroças”. Aos poucos, essas carroças estão saindo da praça. Mas o primeiro modelo de carro fabricado no Brasil permanece incólume. E é uma perua! A Kombi, favorita no coração de onze entre dez feirantes, quitandeiros e perueiros. É um patrimônio histórico sobre rodas. Se for tombada, como entrar nela?

PS: O promotor que quer acabar com a Gaviões da Fiel deve ser palmeirense. O juiz que cassou os gaviões já confessou: é são-paulino.

 

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