Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002

O primeiro peg-pag

Luís Carlos Rossi, o Lemão, jura que foi a primeira tentativa de supermercado na cidade, muito antes daquele que a Santa Casa abriu na Barão de Jaguara, perto da Galeria Trabulsi. Como eu não tenho idade para me lembrar dessas coisas… posso, pelo menos, garantir que aconteceu na esquina da Marechal Deodoro com Regente Feijó a primeira experiência com o sistema peg-pag em Campinas. Nem eu nem ele nos lembramos do nome do dono. “Só sei que era de um turco”.
(Marechal Deodoro com Regente Feijó: será que algum dia o homem que proclamou a República sonhou que viveria para sempre “cruzado” com o regente do Império? Só em Campinas…).
Foi um alvoroço no bairro. Bairro com a freguesia acostumada a comprar de “cardeneta”, sem juro, pagando no fim do mês as contas das despesas — marcadas a lápis. Comprava-se de tudo pela “cardeneta”: arroz, feijão, carne, batata, bolacha, pão, café, leite, doce, bala, bombom, drops. Tudo. Confiança absoluta entre comerciante e freguês. E eram muitos os armazéns estabelecidos por ali: Chico “Oreiudo”, com Amadeu e Maracá; seo Felipe e dona Josefina; Kana Higa e dona Teresa; João Belleti e dona Noêmia; Empório Guarany, do seo Martins… Nos armazéns do Mercadão, era a mesma coisa. Até no centro da cidade, como o armazém do Sebastião Maria, na esquina da General Osório com a José Paulino.
(Um dia, um caminhão carregado com sabão em pó fabricado na Swift – novidade naqueles tempos de Sol Levante, Campeiro e Minerva em pedaço – perdeu o breque, na descida da Zé Paulino, descarrilou o bonde “3”, quebrou os vidros do Sebastião Maria e só foi parar contra o muro da Vila Bela, um cortiço no fim da rua. Gente que nunca tinha visto sabão em pó pensou que aquilo servisse para fazer sopa. A mãe de um amigo até tentou, coitada, mas desistiu diante de tanta espuma…).
Querendo conhecer a nova concorrência, mas ressabiado como ele só, seo Chico “Oreiudo” preferiu mandar o Marcacá fazer compra no “tar de peg-pag, pois sim!”. (Nossa, como seo Chico era desconfiado! Uma vez, mandou o Amadeu perguntar pro médico como deveria tratar da hemorróida. Ele é que não ia mostrar ‘aquele lugar’ pro doutor. Amadeu voltou com uma pomada. Durante muito tempo, seo Chico nada de melhorar. Também, só conseguia passar a pomada no espelho…)
Seo Chico fez um lista grande de compras. Maracá, que já saía com a sacola de lona enrolada debaixo do braço, decidiu levar, mesmo, uma carriola de pedreiro, para “trazer tanta coisa”. Demorou quatro horas para comprar e trazer tudo equilibrado na carriola emprestada de Toninho Simurra, vizinho que morava nos fundos do armazém, técnico de futebol, palmeirense doente, pedreiro e pintor (de parede) nas horas vagas.
Por causa da demora, seo Chico mandou o Lemão ver o que estava acontecendo no “tar de peg-pag”. Maracá rondava as prateleiras, pegava um pacote de Maisena, passava no caixa e punha na carriola estacionada na porta; voltava, pegava um quilo de café São Joaquim e punha na carriola; voltava de novo, pagava o pacote de macarrão Selmi e punha na carriola… A freguesia ria, mas não falava nada. E o turco foi se irritando. “A senhórr bode combrá tuda de uma vez e só debois bagarr!”. E assim nasceu a idéia dos carrinhos dentro de supermercados.
Pregado no poste: A tchurma dos direitos humanos não vai protestar contra o assassinato do soldado da PM Aparecido Ferreira da Silva?

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