Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2001Crônicas

O prefeito faz, o bispo desfaz

Nada com o senhor, seo Toninho, nem com o senhor, dom Gilberto.

Todos os moradores de Descalvado, um oásis às margens da Anhangüera, eram chamados de “canequinhas” pelos vizinhos de São Carlos, Porto Ferreira, Analândia, por ali. Era uma tristeza. O apelido sinistro humilhava a gente daquela cidade porque ela abrigava um sanatório de hansenianos – terrível doença bíblica que até hoje flagela a humanidade.

O sanatório ficava na beira do Ribeirão Bonito, bem na entrada de Descalvado, conta o professor Luiz Carlindo Arruda Kastein, dedicado guardião da memória, da história e do patrimônio do lugar. E ali, os doentes perambulavam de canequinha na mão, esmolando misericórdia e uns trocados de quem chegasse.

Crueldade pouca é bobagem. Já que ali estavam aqueles infelizes, por que não aumentar a infelicidade deles? Coisas da indignidade humana.

Para o sanatório eram empurrados, também, mendigos e até vítimas da febre amarela, no começo do século. Os coitados morriam em pilhas. Estigmatizada pelo mal-de-Hansen e os outros infortúnios que afligiam sua gente, Descalvado recebia poucos visitantes, era ignorada por muitos e espantava investidores. Estava falida.

Mas eis que, em 1933, esta outrora, bela e digna cidade das Campinas do Barreto Leme achou de acudir a Descalvado, nascida na sesmaria de outro bandeirante, o Amador Bueno da Veiga, em terras dos índios caingangues. Achou de acudir não só por um gesto humanitário, mas por uma questão de piedade e espiação. Afinal, quando a febre amarela quase nos dizimou, moradores do Estado do Rio de Janeiro, os fluminenses, estimulados pela imprensa deles, fizeram coleta de dinheiro, agasalhos e mantimentos para socorrer os nossos. Daí a praça que homenageia a Imprensa Fluminense aí perto do hospital Irmãos Penteado.

Agora, caríssimos seo Toninho e Dom Gilberto, se os senhores quiserem saber porque um prefeito fez e o bispo desfez, não percam amanhã, nas páginas deste nosso Correio Popular, o final desta emocionante história, contada pelo repórter Rogério Verzignasse. De minha parte, só espero que um dia os senhores, prefeito e bispo de hoje, plantem um alecrim no Largo da Catedral, mas não contem nada ao padre Karam.

Pregado no poste: “Conheça Descalvado. Faz bem.”

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