Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002

O entulho do posudo

Antes de mais nada, há quanto tempo você não ouve alguém falar “posudo”? E “pancudo”? É a mesma coisa. Perto de casa, tinha um time de futebol que começava com Peludo; Posudo e Pancudo. Ô time feio, Nossa Senhora!
Ontem, me falaram do Manezinho. Você conhece o Manezinho? Ele e Qüem-Qüem formaram uma dupla infernal nas Campinas dos anos 60 e poucos. Não moravam na cidade, mas tinham mania de passar férias aqui. Não falhavam, eram presenças obrigatórias todo ano. Manezinho vinha do Cambuci, em São Paulo, e trazia seu sotaque de italianinho do Brás, embora filho de espanhola com corintiano. Qüem-Qüem vinha de Cosmópolis, parece, e não tinha sotaque – só ataque.
Para começar: Qüém-Qüém ganhou um relógio, presente de Natal da madrinha campineira. No dia seguinte, chegou sem o dito cujo, lamentando a perda: “Ele caiu do meu pulso, rolou na calçada; eu pisei para ele parar. Espatifou tudo…”.
Manezinho virou químico industrial. Lembra de quando fazer Química era moda? Diziam que era “curso de playboy”. Químico, conheço muitos, mas nenhum químico playboy. Por concurso, Manezinho entrou na Petrobrás. Já se aposentou; agora é advogado em Porto Alegre. Como vinha da Capital, gostava de se impor. Era o sabichão e, cúmulo do ridículo, queria comparar São Paulo com Campinas – aquele monte de fumaça fididida com esta terra incomparável (naquele tempo).
E esnobava: “Campinas não tem nada. Campinas tem Pacaembu? Campinas tem escada rolante? Cinerama? Um parque ‘que nem’ o do Ibirapuera? Campinas tem bonde camarão? Ônibus elétrico? Táxi aqui tem taxímetro? Existe um túnel igual ao da Avenida Nove de Julho? Polícia feminina? E prédio alto como o do Banco do Estado de São Paulo? Tem canal de televisão? Nem televisão pega aqui…!”
Um dia, descendo a Rua Delfino Cintra em direção ao Centro de Saúde, o terrenão imenso que abrigava o Teatro de Alumínio (Panela de Pressão) estava cercado de tapumes. (Ali existiam a senzala e o cemitério dos escravos do Barão de Itapura, que morava onde hoje fica o prédio central da Pucamp.). Lá dentro, atrás dos tapumes, o teatro demolido. “Tá vendo Manezinho? Isso aí é um grande campo de entulho. Em São Paulo tem campo de entulho?”
Ele não perdeu a pose: “Claro que tem. Lá tá cheio de campo de entulho.
Entulho é um joguinho gostoso de jogar…”.
Pregado no poste: “Removeram o entulho autoritário. E o lixo político?”

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