Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002

O chefe e o boy do chefe

Todo dia, o officeboy ‘ficava’ com R$ 0,10 do chefe e ainda ganhava R$ 0,20 de gorjeta. Se ‘garfasse’ R$ 0,20, levava R$ 0,40. R$ 0,30? R$ 0,60! Um dia, tomou R$ 1,00 e recebeu 2,00 de ‘caixinha’.

Os amigos do chefe não se conformavam: “Mande esse pivete embora; ladrãozinho safado. Ele faz você de bobo e, sem querer, você alimenta a malandragem do novo marginal. Quer apostar? Ele conta para os amigos da gang que tem um chefe boboca que, além de ser roubado, dá um prêmio pra ele. Se você não tem coragem, deixe comigo. Eu chuto ele agora mesmo!”

Mas o chefe, compreensivo como ele só, levava na paciência, para descobrir um jeito de salvar o garoto, em vez de jogá-lo para sempre no abismo: ”É coisa de adolescente. Não adianta reagir com ameaça. Mando o garoto embora hoje, amanhã ele vai levar a vida na droga, crente que ganha mais, enquanto nem sabe que está perdendo tudo. Sai daqui para ser auxiliar de traficante, porteiro da zona…”

E o diálogo da “garfada” com a gorjeta durou uns dois anos. Um dia, “pegou” R$ 10,00 e ganhou R$ 20,00! Aí, parou. Nunca mais “enganou” o chefe. Já estava chegando aos dezoito, barba aparecendo. O chefe se aproximou:

— Então, terminou o colegial! Já está fazendo cursinho? Vai tentar o vestibular? Você não está me gozando, né? Mecatrônica, mesmo. Você sabe o que é isso? Na Unicamp?! Tá bom.

Entrou.

Antes de contar a façanha do boy aos colegas de seção, o chefe o chamou na frente de todos e disse: “Pequenos gestos, muita paciência e diálogo, ainda que em silêncio, mudam o mundo. Deus não compensa nem nos recompensa por nossas boas ações. Também não nos espera com um porrete atrás da porta para nos acertar toda vez que erramos. Ele vai além, muito além, das nossas medidas de grandeza.”

Semana passada, esse chefe foi visto na esquina da Glicério com a Treze. Desceu do carro e quando todos pensavam que fosse agredir o flanelinha, já adulto, que esfregava o pano no pára-brisa, ele falou bem alto: “Meus parabéns! Você, pelo menos está trabalhando em vez de ser bandido. Você está ganhando a guerra contra a injustiça que fazem com você.”.

Aplaudiram.

***

Nossa Senhora! Em que pensavam Raul Seixas e Cláudio Roberto, quando compuseram esta música?

“Mamãe, não quero ser prefeito.

            Pode ser que eu seja eleito

            E alguém pode querer me assassinar…”

Pregado no poste: “Roseana, a nº 1? Quem será o 51?”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *