Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2007Crônicas

O boi ‘parô’

O escravo Antoninho ouviu o boi dizer que de Sexta-feira da Paixão ele não trabalha. Foi um “Deus nos acuda” lá pras bandas da fazenda do barão Geraldo de Resende, a Santa Genebra. Ou seria na Nossa Senhora do Rio das Pedras? Em Itaí, perto de Avaré, existe uma égua que toda sexta-feira, no fim da tarde, se manda da fazenda e só aparece na manhã de segunda. E ninguém acha a bichinha. Não adianta campear.

Na Fazenda Santa Elisa, do Instituto Agronômico, mestre Alcides Carvalho me chamou certa vez para conhecer nova espécie de abelhas que apareceu em meio aos seus cafezais. A revoada começava ali pelas nove horas e ao meio-dia em ponto, todas iam embora. Não ficava uma para contar a história. Em dia de chuva, nem apareciam. Com aquele sorriso só dele, o doutor Alcides me confidenciou: “Não espalha, mas eu coloquei nessa nova espécie o nome de ‘Brasileira’…”

O boi do barão Geraldo tinha lá suas razões para não trabalhar na Sexta-feira Santa. É do costume. Na roça, no dia em que se celebra a Paixão de Cristo, não há lida. Nem se tira leite. Fica tudo para a bezerrada. Em confrarias de retireiros, contam que é uma conspiração bovina: de Sexta-feira Santa, vacas também não entram no cio, “porque é pecado, uai!”. Em compensação, no Sábado de Aleluia, depois do Judas bem malhado, dá pra ouvir a orgia no rebanho. No Laboratório de Bioquímica da USP, aqui em Ribeirão Preto, as serpentes do professor Laure ficam indóceis aos domingos. O “uso do cachimbo faz a boca torta”, ele diz, para justificar tanto capricho. “Elas dão veneno a semana inteira e quando chega domingo, não há cristão que tire uma gota de peçonha da boca dessas ‘meninas’! Sábado à tarde, elas já ficam olhando a gente assim de esgueio e ninguém é besta de se chegar.”.

Não sei o nome daqueles passarinhos, mas numa fazenda do município de Lutécia, no interior de São Paulo, é dito e feito: é só o peão chegar para arrear um cavalo, que um bando voa em direção ao rebanho. Vão “avisar” que o “homem vem vindo”, para levar todos embora pra casa. Será que é porque essa fazenda se chama “São Francisco”, o protetor da bicharada?

Gostaria muito de ter uma conversinha com esse boi do barão. Justo ele, que não quis trabalhar naquela sexta-feira, o que diria, agora, desse desemprego que paralisa o País? Na época em que o boi “falô” que não queria trabalhar, ele e o homem do campo começaram a perder o emprego. Não é muita coincidência? Exatamente naqueles tempos rodou o primeiro trator no mundo, a primeira máquina agrícola. E o homem e seu animal começaram a ser substituídos por ela nos trabalhos da roça.

A experiência foi simultânea, nos Estados Unidos e na Europa. Em Iowa, John Frolich pôs para rodar um trator no milharal; na França, outra máquina igualzinha, movida a álcool e com mancais de madeira, percorria campos de trigo. Naquele tempo, antes das máquinas, um lavrador americano trabalhava para alimentar só quatro pessoas. Hoje, o trabalho de cada agricultor daquele país alimenta 88 – 33 norte-americanos mais 55 de outros países que dependem dos alimentos que ele exporta. E lá, menos de 3% da população trabalha na zona rural, alimentando grande parte do mundo.

Sem a máquina fazendo o trabalho do homem e do boi, a comida será tão cara (e pouca) que só chegará à mesa dos ricos. Aqui, porém, ainda falam em “fixar o homem no campo”. Querem “fixar” ou “crucificar” o homem no campo?

Pregado no poste: “Há homens que fazem história; outros fazem pré-história”.

 

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