Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002Crônicas

O astronauta e o marciano

Era uma reportagem sobre os últimos boêmios de São Paulo. Na porta da boate Jogral, nem entrei, o compositor Adauto Santos me levou para outra boate. (Conhece o Adauto? Parceiro de Mário Lago, João Pacífico, Paulo Vanzolini, Luís Carlos Paraná… Eu estava ‘mal’ acompanhado, não?).

Falei da reportagem, também queria fotografá-lo, e ele pediu que eu o acompanhasse em outra boate, onde cantaria até as duas da manhã. Quando chegamos, Roberto Luna entoava “Ronda”, do Paulo Vanzolini, espécie de reza obrigatória de todo boêmio. “Ronda” e a incrível “Ninguém me ama… Ninguém me quer…”, do escandalosamente brasileiro Antônio Maria. (O Maria andava tão cheio dessa música, que um dia, numa boate, o cantor mal começou, ele apanhou o microfone e emendou: “Ninguém me ama… Ninguém me quer… Ninguém me chama de Baudelaire…”).

A casa era um ponto de encontro de boêmios, garotas de programa, ricaços, tudo gente fina — juro que ‘fina’ no melhor sentido. Durante meia hora, fiquei numa mesinha privilegiada, observando tudo. De repente, uma mulher bonita, cabelos brancos e expressão mais jovem do que a Giselle Bundchen, me chamou. “Sente aqui comigo. O Adauto me falou de você… Vamos conversar, mas nada de fotografias, está bem?”

Ela me apresentou umas cinco garotas e outros tantos boêmios. A conversa virou mesa-redonda em plena boate, às duas da manhã, e o Adauto já não cantava pra ninguém. Jussara, o nome dela. “Aquela mesinha onde você estava foi a ‘mesa da diretoria’. Sabe por quê? Era cativa do fulano” (um dos maiores empresários do Brasil). De fato, quando o retrato dela saiu no jornal, linda, iluminada, o empresário me ligou: “Como ela está? Ah, está bem? Será que precisa de alguma coisa?…” Jussara me falou de sua vida, aventuras, amores, desamores e carreira. E um segredo: “O grande amor da minha vida foi o astronauta Yuri Gagarin. Quando ele veio a São Paulo, ficamos juntos e dormíamos no Othon. Ah, se o tempo voltasse!”.

Uma das perguntas para aquelas garotas na ‘mesa-redonda’ era exatamente o risco da frustração amorosa: “Como você faz para não se envolver, não amar? E você Jussara, qual o segredo para escapar do Cupido?”. Ela sorriu, meio triste, meio ambiciosa: “Querido, depois que eu amei um astronauta, só quero me envolver com um marciano!”.

A fotografia dela, na hora dessa resposta, e do Adauto, na escadaria do Teatro Municipal abençoado pela lua, bastaram para ilustrar aquelas histórias.

Pregado no poste: “E o salário mínimo de 100 dólares?”

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