Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1998Crônicas

O assassino do 302

Assim escreveu o repórter Bill Souza: “O prefeito de Campinas, Chico Amaral (PPB), lavou as mãos e repassou à população de Campinas a responsabilidade pela diminuição dos índices de violência que assustam o município”. Deu um frio na espinha, quando li esse descaso do alcaide. Por que não disse isso na campanha, seo Pagano? Agora, para nos defender, vamos fazer justiça com as próprias mãos? É uma decisão digna de quem anda acompanhado de Paulo Maluf. E indigna, que mancha a história de quem ajudou, com coragem, a demolir a ditadura militar, sempre com os trabalhadores, sem usá-los nem ludibriá-los, jamais. Como o senhor mudou, seo Pagano!

A reportagem do Bill Souza ainda traz a “receita” do prefeito de como a população pode fazer a sua parte: “Fechar as portas, suspender os vidros dos carros, ter cuidado no trânsito e ao andar nas ruas. A população não pode facilitar. Temos de evitar que as coisas aconteçam”. Só faltou sugerir a todos que se mudem para um deserto, onde não mora ninguém e não vive nenhum político para enganar os cidadãos. Olhe como esta declaração é preciosa: “Se eu vejo algum suspeito na rua, paro e mudo a direção. Se todos agirem como aconselha esse prefeito, Campinas se transformará num bando sem rumo. Mais esta:  “Falo isso, porque as pessoas precisam cuidar do que é seu”. Claro, né prefeito? Mas essas mesmas pessoas elegeram quem prometeu cuidar do que é de todos e paga (caríssimo) para isso. E o seo Pagano arrematou: “A vida é a coisa mais importante da pessoa”. Essa é de cabo de esquadra — o senhor chegou a esta altura da vida para dizer isso?

Para os mais novos, lembro de que Chico era um homem lúcido, corajoso. Em seus primeiros mandatos como deputado federal, uma ave raríssima, digna, entre abutres — os políticos profissionais. Nunca perfilou com os poderosos de plantão, sempre ao lado dos humildes, lutando por eles. Por causa dele, sempre sentia uma pontinha de orgulho a mais de ser campineiro, quando ouvia alguém elogiá-lo, longe, bem longe, de Campinas. “Esse deputado é sério, honesto, competente”, ouvi mais de uma vez. Tanto de gente importante como de anônimos, dos lugares mais distantes: “Eu sempre votei no seu Chico Amarar”. Como campineiro era gostoso ouvir isso, nos confins de São Paulo. Até os colegas da sucursal do Estadão, em Brasília, falavam com respeito do Chico, que não é mais o mesmo.

“O prefeito de Campinas, Chico Amaral (PPB), lavou as mãos…” Pôncio Pilatos também lavou e deixou que matassem Jesus Cristo.

Na mesma edição em que o prefeito lavou as mãos, o reflexo cruel sobre quem não teve tempo de seguir os conselhos do seo Pagano, lançados na véspera: “O estudante de medicina Jander Comin Goulart, 21 anos, de São José do Rio Preto, foi morto na madrugada de ontem em Campinas, após ser assaltado”.

É que o Jander não suspendeu o vidro do carro, não suspeitou da população da nossa cidade nem mudou de direção. Ele vinha de Aparecida e decidiu passear pela cidade que, antes de determinados políticos a comandá-la, foi o ponto iluminado do Brasil no mapa do mundo. Mas numa cidade cujo prefeito “lava as mãos” para a segurança de seus cidadãos, não se pode nem passear. Jander foi a 302ª vítima assassinada em Campinas, nos primeiros 300 dias da administração do seo Pagano. O assassino do 302 sumiu, protegido por autoridades que “lavam as mãos” para a segurança. A culpa é do Jander, né prefeito?

O que aconteceu com senhor, seo Pagano?

 

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