Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

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O arqueólogo

Cada vez que o computador pifa, aproveito para exibir habilidades datilográficas e glorificar as vantagens da insuperável Olivetti sobre essa geringonça, tão arcaica que (ainda!) depende da eletricidade para funcionar. Outro dia, a força parou por mais de quatro horas aqui em Campo Grande. Falha nos computadores de Itaipu. Continuei meu trabalho normalmente, numa moderníssima Olivetti Lexikon, fabricada em 1948: teclado, tipos, carro, cilindro revestido de borracha e caixa de aço originais. Não dá choque, não estraga a vista nem provoca lesões por esforço repetitivo. Só escreve o que eu quero, não me dá ordens nem me comanda. Diante dela, quem raciocina sou eu. O que com ela se escreve não há tecla “delete” que apague nem nada que “resete” (Sei lá o que é isso. Só conheço “que me importa que a mula manque, o que eu quero é rosetar…”).

As vítimas da informática permaneceram perdidas na escuridão, à espera da luz, para fazer aquilo que o homem pré-histórico já conseguia, sem precisar de computadores: escrever. Agora, milênios depois, ainda existe quem não consegue se livrar do atraso e depende de eletricidade, tela, teclado, chips, mouse, winchester, servidor (público?), windows, words, browsers, insert, page up, page down, home… Uma tralha monumental que até museu rejeita (ou você já viu computador exposto em museu?), só para colocar uma letra depois da outra. Coisa que Guttemberg já fazia com os dois pés nas costas, muito antes de Cabral chegar à nossa costa.

O “apagão” aconteceu um dia antes de o Pelé celebrar 20 anos fora dos estádios, 20 anos sem sua arte, 20 anos sem futebol. Uma molecada que nem havia nascido quando tudo acabou, desfilava petulância e ignorância (por isso, rimam), ousava comparar o futebol de sua majestade com o do (vê se pode!) Edmundo! Desafiei: “No tempo do Pelé, Edmundo e toda essa porcariada que pensa que joga futebol não serviria nem pra gandula de jogo de fraldinha!”.

A resposta veio rápida: “Se já existe CD, pra que vitrola, né?” Depois, descobri que “tiraram” isso de um anúncio da Brastemp. Fazer o quê? Quem viu viu, quem não viu tem de se contentar com isso que está aí.

No dia seguinte ao blecaute, encontrei o coitado do encarregado da manutenção dos computadores. Um fanático por essas engenhocas. Tinha os olhos esbugalhados, pareciam cheios de areia, por causa da noite maldormida e perdida para recuperar o que a eletricidade destruiu: o trabalho de dezenas de jornalistas escondido em memórias fracas, que não se “lembravam” de nada do que haviam confiado a ela.

Vararam a noite refazendo o serviço de um dia inteiro. Nada fôra “salvo”, como eles dizem. Então, “salve-se” quem puder. Eu tinha sido salvo pela minha moderníssima Olivetti. Estava tudo no papel, para quem quisesse ver, ler, guardar, copiar ou jogar fora. Rápido, limpo e à prova de força. Felizmente, não sou movido à eletricidade para escrever.

Joguei todos esses argumentos em cima do coitado. Ele se desculpou: “Não me leve a mal, não existe nada pessoal na pergunta que vou lhe fazer, mas é só uma dúvida que me atormenta sempre que vejo você escrevendo à máquina. Afinal de contas, você é jornalista, mesmo, ou um arqueólogo trabalhando na imprensa?”.

PS: Gol! O time do Guarani conseguiu marcar um gol! Foi domingo!

 

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