Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2004Crônicas

Novos classificados

Depois do sinal de alerta disparado domingo pela reportagem da Ana Paula Scinocca, os cadernos de classificados de imóveis do Correio Popular aparecerão com anúncios estranhos. A Maria Rita Alonso mostrou que nem o prédio do seo Pagano escapou. Donos de apartamentos, em fuga de Campinas, farão ofertas desse tipo: “Vendo jaula com grades de aço temperado, eletrificadas, pronta para morar. Cela especial para abrigar moradores durante arrastão. Motivo: não agüento mais esta cidade”.

Vai mudar o linguajar tradicional dos classificados. Nada de valorizar o imóvel com atributos tradicionais como localização privilegiada; número de dormitórios com e sem suítes; sala com dois ambientes – um para almoçar e outro para jantar; salas de estar e de não-estar; banheiros equipados com sauna, banheira de hidromassagem e massagista; armários embutidos; lavanderia e tinturaria; área de serviço e de descanso; salão de jogos de sorte e de azar; prostíbulos, digo, vestíbulos; cozinha com forno de microondas, DDD e DDI (para cardápios nacional e internacional); interfone celular digital com som estereofônico; quartos da empregada, da desempregada, do mordomo, do cachorro e do gato; piscinas pura e com limão; elevadores panorâmicos com toalete a bordo e estoque de camisinhas; entradas de serviço, social, política, eclesiástica, civil. militar, e econômica; garagens para uma frota de carros nacionais e importados… Nada disso.

A sofisticação, agora, é outra. Os apartamentos terão radares à prova de ladrões invisíveis (até de amantes); metralhadoras instaladas nas janelas de aço transparente de cada cômodo; sensores de raios infravermelhos capazes de distinguir bandidos de moradores pelo cheiro; trincos das portas que dão choque de 220 volts, se o contato não for de mãos de gente da casa; dos armários, dispositivos soltarão gases de efeito moral e imoral sempre que a expressão “isto é um assalto!” ou “seu marido não está?” for ouvida no recinto; salão de festa e de velório; antena coletiva que se desliga automaticamente no horário político; circuitos de TV estarão em todos os andares e nas ruas próximas de cada prédio, prontos para captar até tramas de políticos em Brasília (isto, porque o preço da liberdade é a eterna vigilância).

Porteiros, zeladores e faxineiros serão treinados pela S.U.A.T e seus uniformes, comprados das tropas da OTAN que não invadiram a Iugoslávia –- daqueles à prova de fogo, água de enchente, granada, vandalismo de torcida organizada, musiquinha do caminhão de gás, bate-estaca e serras elétricas da obra do prédio vizinho, vendedores chatos, ‘pesquisadores’ do ibope, falsos entregadores de pizza, madames histéricas com o carro que não pega, motoqueiros ensandecidos, pratos que voam em dia de briga de marido e mulher e de filhinhos malcriados de papai.

‘La’ Scinocca e ‘La’ Rita foram fundo. Revelaram a cidade nua, frágil, vulnerável, pronta para ser invadida, saqueada e arrasada. Exibiu cidadãos acuados, apavorados com a situação. Agora, elas precisam ir até Brasília, entrevistar os culpados.

Pregado no poste: “Vende-se apartamento importado. Negócio da China; IPTU de Campinas”

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