Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2000Crônicas

Nossos mestres eram assim

Este depoimento, do Carlos Francisco de Paula Neto, mostra bem como era nosso “Culto à Ciência”, que reunirá seus ex-alunos, professores e funcionários dia 18, no ginásio da Unicamp. Leia que bonito:

“Um fato específico me marcou muito, apesar de não ter sido divertido. Em 1960, primeira série, estudávamos Latim com dona Zilda Kaplan. Não me recordo, na época, se já era casada com o doutor Samuel Rubinsky, importante figura de nossa cidade. D. Zilda foi uma de minhas professoras que mais me cativaram, pela sua calma, serenidade e extrema educação. Era filha, se bem me recordo, de um conhecido comerciante de Campinas, sr. Ella Kaplan, do ramo de móveis.

Na época, o cinema ainda explorava demais os temas da II Guerra, ainda frescos na memória das pessoas (16 anos, somente, se passaram desde então). Estes filmes nos fascinavam, aos garotos particularmente. Num dos intervalos de aula, alguém de minha classe desenhou na lousa uma suástica enorme e escreveu frases em um suposto alemão, coisas que se viam e se ouviam muito nos filmes. Em sua inocência dos 12 ou 13 anos, penso que ele nem tinha a idéia do que estava fazendo e, tampouco, de que aquele intervalo antecedia uma aula da dona Zilda, cuja família havia sofrido os horrores da perseguição aos judeus na Europa.

Ao entrar na sala, ela teve de reparar no desenho e nas frases da lousa. Transtornou-se momentaneamente, sentou-se, fez a chamada e, delicadamente, solicitou que alguém apagasse a lousa, coisa que, aliás, não era seu costume. Notamos que algo estava errado com ela. Após uma reflexão de minutos, e um silêncio terrível que se seguiu, dona Zilda iniciou uma explanação sobre o que aquilo significou para o mundo e para seu povo.

Pena que, na época, não se tinha a chance de perpetuar, em fita gravada, aquele sublime depoimento. Arrancou lágrimas até dos mais desinteressados no assunto. Muitos de nós, acredito, nunca haviam tido a chance de ouvir coisas tão reais e comoventes, ocorridas havia tão pouco tempo. Naquele dia, não tivemos uma aula de Latim. Tivemos uma aula de vida. Uma lição de sobrevivência.”

Pregado em todos os postes: “Obrigado, dona Zilda!”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *