Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2004Crônicas

Nós, o banquete dos mendigos

Se a malandragem e a sem-vergonhice aumentam, a corja também. Viver de expediente é expediente no mundo inteiro. Há lugares em que é habito deixar-se atropelar só para extorquir o motorista. O que é um braço quebrado para quem consegue arrancar dois ou três mil de alguém? Está assim de gente que recusa registro na carteira, para não perder o seguro-desemprego. E os doentes profissionais, sempre pendurados em atestados, para viver na lambança? Em Mato Grosso do Sul, existe uma frutinha do cerrado, tiro e queda. É comer e radiografar: o pulmão exibe um rombo daqueles. Para escapar do serviço miliar, dizem lá, funciona mais do que pé-chato, óculos de fundo de garrafa ou indicador amputado.

Na Rodoviária de Leme há uma jovem que, de dia, distribui nos ônibus aqueles alfabetos para pessoas surdas e mudas. À noite, dá expediente em festas de rodeio.

Dia desses pegou fogo na casa de uma velhinha em Araçatuba. Queimou tudo, coitada. Três dias depois, uma vigarista percorria bairros humildes da cidade com o retrato da velhinha, desolada, publicado no jornal. Pedia ‘um ajutório’ para a vítima. Lá mesmo – essa é nova – e só dá para fazer em cidade pequena. Dois pilantras entraram na fila do caixa do Unibanco e mostraram o famoso bilhetinho para a bancária: “Isto é um assalto. Ponha todo o dinheiro nesse envelope e peça à sua colega ao lado pra fazer a mesma coisa.”. Fugiram a pé, com R$ 10.400,00. Mas e a polícia? Aflita, atendia a várias ligações para o ‘190’, que anunciavam um assalto à agência bancária da Santa Casa de Misericórdia, àquela mesma hora…

Imagine os pontos de medicância em Campinas: Largo da Catedral, do Rosário, do Carmo, do demolido teatro, calçadão da Treze, porta do Cemitério da Saudade, Mercadão, pela Glicério, escadaria do Fórum. Hoje, talvez, a cidade inteira. Os ‘pontos’ eram disputadíssimos e valiam mais do que os dos poucos camelôs da cidade – sempre houve, porque é essa a mais antiga profissão do mundo… Todos pedintes manjadíssimos. Na Estação da Paulista, uma mulher estendia um bife de fígado na canela – imagem horrorosa – e pedia esmola para se tratar. Um era cego de dia e guarda-noturno à noite. Muito camelô ‘aleijado’ saía correndo da porta das Lojas Americanas quando o garda-civil Sebastião Nascimento aparecia na esquina da Ernesto Kulhmann.

No alto da Campos Salles, depois da Senador Saraiva, ficava a pensão dos mendigos. Só ponto de encontro para discutir negócios. A maioria tinha casa para morar. Às vezes, o doutor Lisandro Bartholo mandava a “Delegacia de Vadiagem” dar uma batida por ali. Escrevei “Delegacia de Vadiagem”? Tinha. Hoje, precisaria de uma em cada esquina. Se bem que a miséria do Brasil é tanta, que até mendigo já pede esmola.

No poste: “Brasil jogará no Iraque. Mas em Campinas, cadê coragem?”

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