Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1997Crônicas

No telhado certo

A coisa anda tão feia aqui embaixo que, do Céu, já estão tacando pedras no Brasil. Pior é que escolheram a região de Campinas como alvo. Primeiro, alvejaram a fábrica daquela senhora teuta, a dona Mercedes Benz. Que males ela teria cometido, para ser apedrejada, assim, de repente? Dizem que as multinacionais não querem nosso bem, só nossos bens. Mas logo a dona Mercedes? Ela, já quarentona de Brasil…

Depois, o milharal do sítio do seu Antônio Celso Gonçalves Fontes, agricultor com nome de diplomata, em Itapira, levou uma estilingada. A pedra de gelo que ele exibe para o fotógrafo Manoel Marques parece ovo de avestruz. Bem que os amigos sugeriram que ele fizesse uma caipirinha com a pedra, mas ele prefere guardá-la para sempre, na geladeira. Gozado: Itapira quer dizer “pedra de fogo” e justo lá foi cair um pedra de gelo?

Seu Antônio foi contando a história para o nosso Dario Carvalho Júnior, herói de histórias em quadrinhos nas horas vagas, onde atua com o nome de Super DJ: “Fiquei olhando, achando que ia sair alguma coisa de lá de dentro…” Passei a imaginar a entrevista — aí, o DJ perguntou ao seu Antônio: “Não seria uma criptonita? O senhor tem certeza que de dentro dessa pedra não escapou um garoto, assim como aquele que virou Super-homem?” Quando o agricultor disse que não, Super DJ voltou a ser o pacato Dario Carvalho Júnior, repórter do Correio

Começaram as investigações e os palpites de todo lado. “É meteorito”, disseram na Unicamp. “Foi uma chuva de granizo”, arriscaram não sei onde, apesar destes tempos de secura. “Não, é o ovo de um fóssil do chupa-cabras”, espalharam lá pras bandas de Sorocaba. “Nada, São Pedro é que deixou cair o copo de uísque”, desdenharam em São Pedro. “É o último pedaço da bomba que puseram no avião da TAM e só agora está chegando”, falaram em Viracopos. Em Piracicaba, um pescador definiu: “São os marcianos, enfurecidos com aquela engenhoca que atrapalha o trânsito em Marte, jogando as coisas deles em cima de nós; não falei que eles não iam gostar nada, nada, dessa história de levar automóvel para o planeta deles?”.

Pelo menos uma certeza, para aliviar todo mundo: os blocos não são parte do vaso sanitário nem do compartimento de dejetos daquela nave espacial russa, a MIR, que vagueia por aí, perdida, à espera de um conserto. Falar nisso, como os astronautas fazem? Jogam pela escotilha? E não há perigo de cair em cima da gente? Ah bom.

O que me intriga nessa confusão toda é o barulho da pedra caindo do céu, que o sitiante jura ter ouvido. Pedra, quando cai, faz barulho? Além de investigar o conteúdo do bloco de gelo, o pessoal do doutor Badan Palhares ou lá do Laboratório de Lingüística não vai examinar esse som dessa pedra caindo? Isso é mais intrigante do que cheiro de papel rasgado.

Outra preocupação: o bloco que acertou a dona Mercedes, bem no almoxarifado dela, era do tamanho de um prédio de oito andares, quando partiu do céu. Ainda bem que chegou aqui menor do que uma caixa d’água. Mas os cientistas fazem maravilhas. Até o tamanho original da pedra, que ninguém sabe de onde veio nem quando saiu, eles conseguem calcular. São capazes de fazer um risco no chão e passar por baixo.

Conversando com um motorista de táxi sobre esse apedrejamento que veio do espaço, ele reflete: “Se do céu já atiram pedras em nós, é porque a Humanidade é que tem telhado de vidro, meu senhor”.

 

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