Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1997Crônicas

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Houve um tempo em que as universidades eram para poucos — uma injustiça. Depois, lá pelos anos sessentas (hei, professor Abramides, sumiu?) elas se tornaram poucas para muitos — outra injustiça. E existem muitas, cá pra nós, que são uma pouca vergonha. Mas jamais alcançam o ideal de serem muitas e boas para quem quiser.

Quando o gargalo do funil começou a apertar, estudantes do Clássico e do Científico do “Culto à Ciência” falavam de um sonho universitário bem distante — Coimbra. Aquela histórica universidade portuguesa, a “Coimbra do choupal”, imortalizada numa bela canção, renascida na voz do Roberto Carlos, exatamente naquela época. Não sei o que atraía os jovens de antanho: a aventura do vestibular em outras plagas ou a fama sedutora de Coimbra, “capital do amor em Portugal, ainda…”. Afinal, a música diz que lá, “o livro é uma mulher, só passa quem souber…” Bonito, né?

Coimbra fica a 12 horas de avião ou a 12 dias de navio. Eu dizia pra mim: “Se não houver alternativa, também vou para Coimbra, mas de navio; voar é com os pássaros”. Esse é meu eterno consolo, até que alguém construa uma ponte ligando Recife a Lisboa. Por enquanto, quando quero ir a Portugal, eu sonho…

E a ditadura, que chegava para nos desgraçar, impunha o “status” de cursar a universidade. Só “status”, porque qualidade poucas tinham. E os cursos proliferaram. Qualquer barracão com lousa e giz servia para ser chamado de “faculdade”. Apareceram muitas: havia cidades que tinham faculdade e não tinham nem uma filial das Casas Pernambucanas. Uma praga, essas fábricas de diplomas. Elas são como os políticos: em todo lugar tem, mas não servem para nada.

E os adesivos no vidro traseiro dos fusquinhas? Exibiam com orgulho o nome da faculdade, bem debaixo daquele que dizia: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. No rádio do carro, Dom e Ravel bajulavam: “Eu te amo, meu Brasil, eu te amo…” Vão caçar sapo com bodoque! Ô tempo de mediocridade! Até que a irreverência desbancou aquela bobagem. Começaram a aparecer adesivos ironizando: “Eu faço madureza”; “Supletivo Pré-Mobral”; “Jardim da Infância Rei Herodes”, “Faculdade de Direito Pôncio Pilatos”. O Fausto Silva sugeriu um: “Maternal Fadinha Lésbica”. Ninguém teve coragem de usar. “Minha irmãzinha vai perguntar o que é ‘fadinha‘ e eu vou ficar com vergonha de responder”, disfarçou um amigo dele…

Não se assuste. Logo, logo, veremos adesivos exibindo: “Medicina-Cochabamba”, “Odontologia-La Paz”, “Engenharia-Santa Cruz de La Sierra”, “Agronomia-Sucre”.

A Bolívia é o novo refúgio de quem não consegue entrar em faculdades brasileiras. Meu amigo Zé Roberto Santos, genuíno fiolósofo do cerrado e repórter do jornal Diário da Serra, de Campo Grande, descobriu que já existem mais de dez mil brasileiros “exilados” por lá, atrás de um diploma. Já há mais universitários brasileiros na Bolívia do que na nossa Unicamp. Continua tudo errado no Brasil.

Comentário desse filósofo impagável, diante do meu espanto: “É. Quando nenhuma das alternativas anteriores está correta, o negócio é fugir para a Bolívia”.

PS: O CRM de Pernambuco arquivou o processo dos dois médicos da Clínica de Caruaru. A negligência deles matou 69 doentes renais. Onde eles fizeram Medicina? No açougue?

 

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