Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2005Crônicas

Minha senhora, tenha Modess!

Corre pela rede mundial uma aberração, por certo transmitida por Severino Cavalcanti, de que nobre cidadã de nossa urbe quer porque quer passear em Cuba por conta do povo que, aliás, ganha menos do que ela e o Severino, quiçá seu muso inspirador.

Vamos ajudá-la no passeio que, se sair, não adiantará ao povo espernear. Que pague e cale a boca. Então, lá vai tudo o que não pode faltar na bagagem de tão edílica passageira da “Campineiros Tour”. É uma espécie de “Kit Cuba” básico. Se não, terá de comprar tudo no câmbio negro. Tomara que não seja em avião cubano. Contam (as feministas me matam) que em avião cubano a única comida a bordo é a aeromoça, digo, é a aeromoça quem faz. E que na hora de partir, a voz no aeroporto diz: “Dirijam-se para embarque e… adeus!”.

  1. Papel higiênico: um camarada esteve lá, num congresso do PC, foi ao banheiro, mas na hora da limpeza do devido lugar, teve de dar o destino certo ao Granma. Granma é aquilo que os cubanos chamam de jornal.
  2. Sabonete: lá, é um por mês, mas não se sabe se é cheiroso. Talco, porque lá isso é coisa de boiola, não importa o sexo.
  3. Pasta e escova de dentes. Se não, terá de usar paninho com sal, se der sorte de encontrar paninho e sal à venda. Outra saída é entrar num toalete e usar uma escova pública que tem lá. Dizem que Fidel a usa para pentear o bigode. Duvido.
  4. Agenda: lista telefônica nem adianta. Não há liberdade para imprimir a dita cuja. E o risco de procurar alguém e descobrir que foi para o ‘paredón’?
  5. Não mande copiar documentos. Leve uma impressora – não sei se a deixarão entrar com isso. Ao povo é vedado o uso de xerox, porque é proibida a circulação de idéias naquele paraíso – só pode circular uma idéia: “O bloqueio vai nos matar de fome porque a Rússia não manda mais nada de graça pra nosotros”. Uma pessoa pode ter muitas idéias ou nenhuma. Se tiver só uma, é louco. Por isso já tem gente tentado chegar à Flórida à pé.
  6. Calça velha, azul e desbotada. Eles ouviram dizer que no Brasil “liberdade é uma calça velha, azul e desbotada” — e querem conhecê-la. Depois, venda a calça por alguns pesos – lá, calça de jeans é moeda de troca, além das gineteras, que se trocam por qualquer coisa ou trocam suas coisas por qualquer um. Coitadas, como nesta terra da fome zero, que já está abaixo de zero.
  7. Se chamar um táxi, não se importe com dividi-lo entre várias pessoas. Vai cada uma para um lado e você, a primeira a entrar, pode ser a última sair e a única a pagar (com o nosso dinheiro.). Abençoados e generosos campineiros.
  8. Leve comida: nada além de arroz, feijão, leite em pó, bolacha, pó de café, barras de chocolate. Leve panela de pressão, também, porque lá não tem. Mas nem tente comprar suco de frutas, iogurte desnatado ou com sabor, barra de cereais, polenguinho. Lá isso é coisa de burguês vítima do imperialismo. E, por favor, tenha comiseração: não coma na frente dos outros. Se deixar o resto para eles, pode virar santa com direito a busto ao lado daquele pôster do Guevara.
  9. Remédio: para dor de cabeça e outras dores, alergias, azia, diarréia (lembre-se que terá de usar folhas do Granma – é para isso que ele serve.)
  10. Lenço, para chorar quietinha e escondida e enxugar seu constrangimento. Se for à tal sorveteria Copélia, não se espante: como “estrangeira visitante” a senhora não entrará na fila e ainda poderá ver algum revolucionário truculento arrancar um cubano da mesa, para lhe dar o lugar. Aconteceu isso lá com uns amigos, que morreram de vergonha. Um casal de cubanos em lua-de-mel teve o direito de tomar um sorvete na Copélia, mas no meio do ritual, os dois foram extirpados da mesa para dar lugar aos brasileiros. É a liberdade que se respira ali.
  11. Não leve livros que tratem de liberdade sindical, direito de greve, pluralismo partidário, reivindicações salariais, eleições livres, habeas-corpus, anistia, indenizações por danos causados pela ditadura nem de presos políticos, porque você corre o risco de se tornar um deles. O que reivindica aqui lá dá fuzilamento.
  12. Se ouvir aquela ladainha: “Hoje, milhões de crianças em todo o mundo dormirão ao relento e com fome, mas nenhuma é cubana”, contenha-se e não diga em voz alta que “hoje, milhões de pessoas em todo o mundo dormirão e acordarão com sede de liberdade, quase todas são cubanas.”
  13. Graxa de sapato e escova para distribuir àqueles que, por ventura, cumprirem a previsão do Edimilson Siqueira e babarem nas botas do ditador.
  14. Caneta esferográfica, para escrever o nome no gesso da perna do Pinochet de Cuba.
  15. Restaurante por quilo? Nem tente procurar. Lá só existe restaurante por grama.
  16. Absorvente íntimo – nada lá pode ser íntimo, até absorvente é público.

Pregado no poste: “Compre papel higiênico”

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