Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2002

Manga bourbon volta depois de meio século

JARDINÓPOLIS — A manga bourbon, a mais saborosa e valorizada do mercado, volta a ser cultivada em escala comercial, em São Paulo, depois de 50 anos. O agrônomo João Lúcio Marasco, produtor em Jardinópolis, região de Ribeirão Preto, conseguiu, com a ajuda de três pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas, uma variedade resistente à broca e às três raças do fungo Ceratocystis fimbriata. No fim dos anos 40, a doença fez da bourbon sua única vítima no Estado e tirou de Jardinópolis o título de maior produtora de mangas do Brasil. Dos ll0 mil pés dos anos 50, restam 35 mil das outras variedades, todas ameaçadas pelo mesmo mal, que seca e mata a planta em dois anos.
Depois de onze anos de luta dos cientistas, a “rainha” está de volta, em 300 mangueiras sadias, que exibiram sua primeira safra esta semana: três caixas de 22 quilos por árvore, devendo chegar a dez, no ano 2000.
Um besouro de origem desconhecida fura o caule na parte aérea da planta e o fungo penetra, desencadeando a devastação. Em 1984, os cientistas Ivan Antunes, Carlos Rossetto e Nilberto Soares, do IAC, iniciaram no sítio de João Lúcio a coleta de ponteiros de árvores que resistiam à doença. Nelas, ao longo dos anos, foram inoculados os fungos, até que apareceram plantas totalmente imunes às três raças. O passo seguinte dos pesquisadores foi a produção de mudas, distribuídas a viveiristas de todo o Estado. João Lúcio apostou no êxito da experiência e agora, além das 300 árvores em primeira produção, tem um canteiro com três mil mudas da nova bourbon, batizada de “IAC – 100 Bourbon”, nascida em 1989.
As mangueiras desta primeira safra estão com cinco anos e deveriam estar produzindo desde 1994. Mas a geada de 27 de junho daquele ano queimou meio metro da “roda” de cada árvore e elas só se recuperaram, parcialmente, neste ano, porque uma ventania arriou a plantação, no inverno.
Depois que a doença dizimou a bourbon, começou a atacar as outras variedades. Os cientistas do IAC continuam a pesquisa e já conseguiram porta-enxertos resistentes, mas para imunizar as copas das mangueiras, será preciso realizar o mesmo trabalho que salvou a bourbon. A meta é impedir que o Cerotocystis fimbriata comprometa as lavouras das variedades haden, coração de boi, rosa, espada, tommy atkins, keitt, parvin e palmer, de maior importância econômica em São Paulo, e se alastre por outros estados produtores.

 

Cultura não é muito exigente

Em um hectare cabem cem mangueiras. Nos tratos culturais, a calagem é fundamental, recomenda João Lúcio Marasco: um tonelada por hectare, entre fevereiro e abril. O enxofre, para o controlar o “oídio” (bolor das flores), deve ser aplicado, em pulverização por cobertura, a cada 20 dias, depois que aparece a gema floral, na proporção de 500 gramas em l00 litros de água por pé.
Para combater a antracnose (pinta escura da casca), aplica-se o defensivo ben late ou cercovim, quando o fruto estiver com um centímetro de diâmetro. São necessários 100 gramas ou 100 mililitros (dependendo do produto). Dez dias antes da colheita, pulveriza-se o fungicida cúprico, o mesmo que controla a ferrugem do café, dissolvendo-se 250 gramas em 100 litros de água.
A safra começa em outubro, com a colheita das variedades precoces: coração de boi, rosa e espada, até novembro, quando começam a amadurecer a bourbon, a tommy atkins e a haden, até dezembro. A palmer, a parvin e a keitt, tardias, dão em janeiro e fevereiro.
Segundo João Lúcio, as mangueiras não têm “culturas inimigas” e aceitam bem lavouras intercalares de maracujá e pinha. Mas ele não aconselha o mamoeiro, por causa do risco de contaminação por ácaros.

A “rainha” do mercado

A manga bourbon chegou ao Brasil em l876, trazida da antiga Ilha de Bourbon, hoje Ilha Reunião, de colonização francesa, no Oceano Índico. As primeiras sementes foram plantadas na Bahia. Enquanto Jardinópolis, por causa da terra e do clima favoráveis, foi o maior município produtor do Brasil, o Estado de São Paulo também manteve a liderança da produção nacional, perdida para a Bahia no fim dos anos 60. A doença, principalmente, e a expansão dos canaviais desestimularam os produtores dessa cidade de 35 mil habitantes, às margens da Via Anhanguera, cujos moradores ostentam, com orgulho, o apelido de “bocas amarelas”.
Jardinópolis perdeu as mangueiras mas não a liderança da comercialização da fruta no País. Pela cidade espalham-se cerca de 60 barracões de venda de manga, comandados por antigos produtores e comerciantes que mantém o negócio de geração a geração. Eles garantem nesses entrepostos 80% da manga comercializada no País. De outubro a fevereiro, estimam que passam pelos barracões cerca de l,8 milhão de caixas de manga vindas de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas e Bahia, redistribuídas para centros de abastecimento de São Paulo, Rio, estados do Sul e, mais recentemente, países do Mercosul.
No auge dessa cultura na cidade, ela produzia, sozinha, 1,1 milhão de caixas. Hoje, não consegue mais do que 300 mil.
João Carlos de Paula, dono de barracão há mais de 30 anos, vende 70 mil caixas por safra, vindas dos principais estados produtores. Ele conta que a manga bourbon sai de Cuiabá, por exemplo, a R$ 1,00 por caixa e chega ao consumidor, no mercado, por R$ 12,00, depois de uma viagem de 30 horas. “Só o frete é de R$ 3,00 por caixa e não se inclui aí a despesa com o pessoal que carrega, transporta e descarrega a manga, vendida no barracão por R$ 9,00”, justifica. Elas resistem na caixa por uma semana.
Jardinópolis dá a cotação da manga em São Paulo. Esta semana, nos barracões, a bourbon era vendida por R$ 12,00 a caixa. A haden e a rosa, R$ 8,00; tommy atkins, R$ 7,30; espada, R$ 6,00 e coração de boi, R$ 4,00.
A esperança de produtores, vendedores e da própria população é a volta da bourbon. “Afinal, num barracão, enquanto se esvaziam dois caminhões da bourbon, só se vende um das outras variedades”, compara.

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