Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2004Reportagens

Mal de Chagas por um fio

Faltam só os testes pré-clínicos, em animais, e o clínico, em seres humanos, mas a equipe de pesquisadores da Universidade de Franca (Unifran) e da USP de Ribeirão Preto aposta que chegou, finalmente, ao medicamento capaz de eliminar do sangue dos portadores do Mal de Chagas o temível protozoário Trypanosoma cruzi, descoberto há 95 anos pelo médico Carlos Chagas. Ele é transmitido por um inseto, o barbeiro, e afeta mais de seis milhões de brasileiros – pelo menos, 70 mil com os sintomas de morte anunciada. Mas não será o fim do drama: os doentes ainda terão de fazer transplante cardíaco ou receber células-tronco, porque a ação letal do parasito no coração é devastadora e irreversível.

“Mamica de cadela”: esse é o arbusto que dá a cubebina e o metilpluviatolido, substâncias cujos derivados obtidos no Laboratório de Química da Unifram inibem a ação do Trypanosoma cruzi. As pesquisas começaram em 1993, conta o farmacêutico Márcio Luís Andrade e Silva, da Unifran. Venceu a linha fitoterápica de investigação. A “mamica” tem espinhos em forma de mama de cadela, daí o nome popular da Zanthoxylum naranjillo, encontrada principalmente no Sul do Brasil e, com menor freqüência, em São Paulo.

Um laboratório particular estuda há dois meses a possiblidade de fabricar o medicamento. “Só a coluna de purificação da substância, após a obtenção da forma sintética, custa US$ 500 mil!”, exclama o cientista Jairo Knupp Bastos, da USP, e membro da equipe. A patente já está reconhecida em 74 países, incluindo os da Europa, o Japão e os Estados Unidos, onde o Mal de Chgas chegou aos estados do Sul, numa forma mais resistente que a encontrada no Brasil, porém igualmente sensível à descoberta brasileira.

Em 1988, Jairo Bastos estudava as propriedades de 500 plantas para combater schistososmose e malária. Percebeu que uma delas, a “mamica”, apresentou atividade intensa contra os protozoários da malária e do Mal de Chagas. Antes, tentou-se controlar a doença até com compostos de carbono e ferro e carbono e cromo, mas não houve eficácia.

Quando viu que a “mamica” é eficiente, Márcio passou a cultivá-la no sítio do sogro, em Ribeirão Corrente, perto de Franca. “As que estudamos existem nas imediações da Unicamp, em Barão Geraldo, distrito de Campinas, mas a duplicação de uma estrada ali vai acabar com elas”, avisa.

Os derivados da cubebina não têm efeitos colaterais: não são tóxicos nem atacam o estômago, o fígado ou os rins, diz Márcio, baseado em experimentos com animais. Ele alerta: “Há pessoas que costumam dar ao chagásicos chás de “mamica”, na esperança de obter a cura, mas é certo que não existe ação positiva.”.

Agora, os cientistas esperam recursos para começar os testes pré-clínicos, e certificar oficialmene que não há toxicidade. “Cada ensaio em laboratório credenciado custa R$ 100 mil e dura oito meses”, avalia Márcio. Depois, será a vez de seres humanos passarem pela experiência. Mas os pesquisadores já sabem que estão no caminho certo: “Sabemos como a droga age contra o parasito e já conhecemos a rota sintética para sua obtenção. Hoje, fazer 100 gramas custa US$ 7 mil.”. Os testes clínicos determinarão a dosagem e a forma do remédio: pode ser um óleo, um pó ou uma cápsula que, nos genéricos, terá o nome de “(-) – metilpluviatolido.”

Resta uma expectativa antes dos testes: descobrir se esse medicamento terá efeito curativo ou de tratamento eficaz. Para ser curativo, o princípio ativo tem de sair do sangue do paciente e ir para o tecido, “mas tudo é questão de formulação farmacêutica”.

Ao mesmo tempo, a pesquisa indica que os derivados da cubebina podem agir contra a tuberculose e o vírus HIV. Os ensaios já começaram, confirma Márcio.

O estímulo veio quando Márcio Andrade conseguiu, com o programa Jovem Pesquisador, da Fapesp, apoio para intensificar as pesquisas com a “mamica”. Até agora, a Unifran, que centraliza os estudos, investiu R$ 500 mil e a Fapesp, R$ 250 mil.

A Unifran, começou como escola de Educação Artística, há 30 anos. Em 1996 alcabnçou o status de universidade. Tem hoje 12 mil alunos, do maternal à pós-graduação, e mais de trinta cursos universitários de gradução. O fundador é Habib Salim Cury, professor-titular, aposentado, da Faculdade de Odontologia da USP de Ribeirão durante 40 anos. “Investi nesse projeto porque sou eudcador; antes do negócio, prevalece a importância da educação e da pesquisa, que aprendi na USP”.

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