Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

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José Paulino Nogueira

Ainda pequeno, quando vinha trabalhar de caixeiro na loja de Bento Quirino dos Santos, percorria descalço o trajeto até a entrada da cidade, para economizar seu único par de sapatos. José Paulino Nogueira nasceu em Campinas a 13 de fevereiro de 1853, quinto dos doze filhos de Luiz Nogueira Ferraz e de Gertrudes Eufrosina de Almeida Nogueira, família tradicional, mas de poucos recursos.

Começou a trabalhar aos doze anos naquela loja. Aos 18, o ex-caixeiro era gerente e, logo depois, sócio do patrão na Santos, Irmão & Nogueira, uma casa comercial que os políticos e intelectuais que a freqüentavam apelidaram de “Sociedade Anônima de Interesse Geral”… Ali conheceu Campos Salles, uma amizade que, no futuro, uniu as duas famílias – seu neto, Paulo Nogueira Filho, casou-se com Regina Coutinho, neta do ex-presidente da República. A loja era um centro de atividades sociais que reunia empreendedores preocupados com o interesse público da cidade e da então Província de São Paulo. Ali, Campos Salles, Francisco Glicério, Jorge Miranda, Francisco Quirino, Américo Brasiliense e Salvador Penteado se reuniam para combater a monarquia e defender o fim da escravatura.

Na última fase do império, já membro do Partido Republicano, José Paulino elegeu-se vereador em Campinas, com Júlio de Mesquita e Salvador Penteado. Em março de 1889, com o primeiro ataque da epidemia de febre amarela, José Paulino foi uma das poucas autoridades que não abandonaram a cidade. A situação piorou e os recursos faltavam. Assumiu o governo de Campinas, mobilizou sócios e clientes da loja e apelou na Capital, para que os amigos Campos Salles e Francisco Glicério arranjassem meios para que se concluíssem os serviços de canalização de água potável e de instalação da rede de esgotos. Só assim a cidade se livraria dos poços e das fossas.

No dia 2 de Abril de 1889, mandou um apelo dramático a Glicério: “A epidemia recrudesceu bastante de cinco dias a esta parte; pelo obituário, podes calcular o que vai por aqui, é um horror! Não há espírito, por mais forte que seja, que tenha a necessária calma no meio de tanta desgraça. Pobre Campinas. Parece-me que nunca mais poderá levantar-se pujante como já foi. Você, Moares, Campos Salles e outros filhos desta terra, que aí estão com o espírito fresco e calmo, pensem e ponham em prática tudo o que for para facilitar o empréstimo da Companhia Águas e Esgotos, que é a única salvação desta cidade. Adeus, até por cá, se vivermos.”

Proclamada a República, permanece na direção da cidade até ser nomeado intendente municipal da era republicana. Em 1890, novo surto da febre castiga Campinas. Ele conduz as obras de saneamento e o povo, agradecido, faz coleta popular de 100 réis por pessoa e inaugura uma placa de mármore na sede da loja para homenagear sua dedicação. Na Câmara Municipal, o retrato na sala de reuniões leva a seguinte legenda: “José Paulino, o presidente que não abandonou o posto nos dias tenebrosos de 1889”. No discurso, seu médico, Eduardo de Guimarães, ressaltou: “Atacado pelo morbo, esse abnegado campineiro me suplicava: ‘Doutor, eu não posso morrer, porque Campinas ainda sofre muito e precisa dos meus serviços!’”.

Superada a doença, volta à política e é reeleito presidente da Câmara, em 1892. Baixa duas leis: isenta de impostos e taxas as sociedades cooperativas de consumo e um empréstimo de 400 contos de réis, com juros de 6% ao ano, para que a Companhia Carril Agrícola Funilense concluísse sua linha de trem de Campinas ao inóspito e desocupado bairro do Funil, até então isolado da cidade e dos centros mais próximos, Limeira e Moji Mirim.

Mais tarde, já no fim do século, José Paulino e os irmãos Arthur e Sidrack, o cunhado Antônio Carlos da Silva Teles e o genro Paulo de Almeida Nogueira desbravaram as primitivas terras da fazenda Funil (hoje na cidade de Cosmópolis) e lançaram nela a semente da primeira grande indústria de Campinas, a Usina Ester, antes uma engenhoca de álcool. Ester era o nome da filha mais velha de José Paulino.

Sempre empreendedor, em São Paulo, associou-se à firma comissária Teles & Neto, de Santos, e levou para a empresa seu antigo patrão e sócio Bento Quirino dos Santos. Em 1910, assumiu a presidência da Companhia Mojiana de Estradas de Ferro, cargo que ocupou até morrer, a 10 de novembro de 1915. Mesmo à frente da ferrovia, com José de Queiroz Lacerda e José Egydio comprou a Companhia Agrícola de Cravinhos, uma das mais importantes organizações de café do Estado e precursora da introdução da cafeicultura na região de Ribeirão Preto. Foi o primeiro presidente do Banco Comercial e fundou, ainda, com Cardozo de Almeida, Urbano Azevedo e Veriano Pereira, a Companhia Paulista de Seguros. Com parte do que ganhava, ajudava a sustentar a Santa Casa de Misericórdia e o Liceu de Artes e Ofícios de Campinas.

Era um empresário raro, com visão completa de como se desenvolve um ciclo econômico, com investimento em fazendas que tornou produtivas, transporte da safra, financiamento bancário da produção, comercialização no mercado interno e exportação. O cientista Paulo Nogueira Neto, bisneto de José Paulino, observa: “Ele foi um dos paulistas que melhor prepararam o Estado de São Paulo para o rápido e enorme progresso que teve, particularmente a partir dos tempos da Primeira Guerra Mundial. Preocupou-se com a infra-estrutura do desenvolvimento: na agricultura, na agroindústria, no comércio exportador, na atividade bancária, nos seguros, nas ferrovias e na política. Foi para o nosso Estado o que Mauá representou para o Império”.

Foi casado com Francisca Coutinho Nogueira, falecida em 1895. Viúvo muito cedo, não mais se casou. A filha Ester assumiu o comando da casa e serviu de segunda mãe aos irmãos. José Paulino está sepultado no cemitério da Saudade, em Campinas, próximo de dois companheiros de toda a vida: Moraes Salles e Francisco Glicério.

 

CRONOLOGIA

 

1853: nasce em Campinas.

1871: integra a Boemia Dramática Campineira, dirigida pelo maestro Santana Gomes.

1885: torna-se acionista da Companhia Campineira Carris de Ferro

1889: epidemia de febre amarela: como vereador, assume o governo da cidade. Proclamada a República, permanece no cargo.

1892: reeleito presidente da Câmara Municipal, como intendente, continua à frente da administração de Campinas.

1895: morre a esposa Francisca Coutinho Nogueira.

1898: com os irmãos, funda a Usina Ester, no bairro do Funil, hoje a cidade de Cosmópolis.

1910: assume a presidência da Companhia Mojiana de Estradas de Ferro.

1915: morre em Campinas.

 

PARA SABER MAIS SOBRE JOSÉ PAULINO

 

Usina Ester 100 anos de História: Danuzio Gil Bernardino da Silva

Memórias de um burguês progressista: Paulo Nogueira Filho

Centro de Memória da Unicamp

Biblioteca do Centro de Ciências Letras e Artes

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