Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2003Crônicas

Já comeu?

O cantor Falcão diz que não come tatu porque dá dor nas costas. Mas lá em Itanhomi, nas Minas Gerais, teve um que matou para comer e vai passar nove meses na cadeia. Dois dias depois, um gaúcho pegou três meses porque matou uma onça — nem teve tempo de comer a coitada. Em seguida, na cidade de Mirassol, ali perto de Rio Preto, um aposentado foi flagrado comendo um gato (ou uma gata?) — vai ficar uns trinta dias no xadrez. (Duvido que a comida da cadeia seja melhor do que gato, rato ou onça, frito, assado ou cru.).

Não é moda. Um tempão atrás, percorri várias obras em São Paulo e os peões comiam gato, pomba, cachorro, capivara, até quati. Nem era gente esfomeada – hábito adquirido com colegas vindos de todas as partes do Brasil – e sabedora das doenças que aqueles bichos transmitem. Mas adianta falar que pomba é um rato de penas? Ninguém confessou comer ratazanas, mas sorrisinhos marotos não faltaram. E urubu? Aí, negaram. Uns dizem que não comem rã porque pensam que ela é mulher do sapo, se não… Mas na Ásia (lembra-se do filme Mundo-cão?), mandam ver em macaco frito, miolo cru de orangotango, cobra, ratos, insetos…

Desse jeito, logo, logo, o Fernando Kassab, a Ana Maria Braga, o Allan Spejo, o Sílvio Lancelotti e aquela “Miss Colesterol”, do canal que vende até a mãe, exibirão na telinha receitas de como preparar esses bichos: e tome cachorro com ameixas, pombos ao vinho branco, gambá à Califórnia, sushi de corvo, capivara de cabidela com quiabo… Nada contra, afinal a dependência que os homens têm dos animais, um dia, vai convencê-los de que, sem importância alguma, mesmo, na Terra, é o próprio homem. Sem nós, animais e vegetais vivem na maior tranqüilidade, sem risco de extinção nem explosão.

Mas não estranhe se imagens do cotidiano começarem a mudar. Como a que eu vi, espantado pra chuchu (desta vez, espantei-me pra valer), num parque “ecológico” aqui de Ribeirão. Foi segunda-feira passada. Logo na entrada da pista de caminhada, num banco de cimento à minha esquerda, perto de um dos lagos, a jovem mamãe, bonita, brincava feliz com seu bebê dentro do carrinho, abrigado do sol de Ribeirão. Dei uma, duas voltas, e ela lá, entretida com o filhote. Na terceira volta, o espanto: ela tirou o filhote do carrinho, envolto numa manta, olhando para ele com toda ternura – era um cachorro.

Pregado no poste: “Quem usa a alma usa arma?”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *