Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

Reportagens

Interior de São Paulo, melhor do que a China

O Brasil vai se desenvolver quando for como o interior de São Paulo, que movimenta 65% da riqueza do estado mais rico do País e 25% do PIB da Nação. Nesse interior, prevalece a iniciativa particular. Ele é filho das idéias de um dos fundadores da Universidade de São Paulo, Armando de Salles Oliveira. Antes de ser interventor no Estado, entre 1933 e 1936, como engenheiro, empreendedor e presidente do Banco do Estado, ele incentivou a construção de mais de duas dezenas hidrelétricas. Nesse tempo, para investir no Brasil só na terra paulista: apenas ela tinha energia suficiente para sustentar o desenvolvimento industrial. Em 1934, com a fundação da USP, São Paulo passou Minas na liderança nacional e virou a “Locomotiva do Brasil”, sob a insígnia da universidade: “Pela ciência, vencerás”.

Conseqüência: as melhores oportunidades de negócios do País estão em São Paulo há mais de 70 anos. No interior, o diálogo entre empreendedores das três oportunidades mais importantes bate em bilhões de dólares: tecnologia da agroindústria canavieira; pólo tecnológico no eixo São Carlos – Campinas – São José dos Campos, e a indústria aeronáutica, baseada em São José dos Campos, Araraquara, sua vizinha Gavião Peixoto e Botucatu.

O professor de Economia e diretor do Instituto de Pesquisas “Maurílio Biagi”, da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto, Vicente Golfeto define esse Interior como uma China melhorada, enquanto Sertãozinho, na mesma região, é uma China inteligente. São Paulo está a caminho de Sertãozinho. Enquanto São Paulo, EUA, China e Japão fazem produtos ‘made in Brazil’, ou in ‘USA, Japan e China’, a cidade paulista faz ‘Made by Sertãozinho’. Por isso, Sertãozinho não atrai, mas produz indústrias”, compara.

Assim, US$ 1 investido no Brasil retorna US$ 2; na Grande São Paulo, US$ 4; no Interior, US$ 8, e em algumas cidades, principalmente Sertãozinho, US$ 16. De cada US$ 4 gerado de renda no Brasil, US$ 1 é do Interior paulista. “Ele tem a marca da produtividade, da qualidade, da iniciativa particular, do lucro legítimo e do risco”.

Este ano o PIB do Brasil deve crescer 3,5%; o de São Paulo, 4,5% e o de Sertãozinho passará de dois dígitos.

“Sertãozinho é um EUA feito por italianos. A origem da imigração é a mesma: o Norte da Itália. Golfeto é um emblema: “Meu avô, Vicenzo, e o irmão dele, Philippo, saíram de Vêneto. Meu avô virou industrial em Sertãozinho e o irmão dele, no Bronx. Não viraram mafiosos por incompetência, mas legaram para as gerações norte-americanas o primeiro mandamento da máfia: “O silêncio não comete erros”. Os de Sertãozinho criaram outro: “Quando nóis qué, nóis num pede, nóis faiz.”

Para construir a mais moderna usina de açúcar do mundo ou informatizar e automatizar totalmente uma indústria de ponta, da produção à administração, há tudo “made by Sertãozinho”. E não ria, porque sua gente se orgulha desse nome.

 

“NEM DROGA”

 

Golfeto não conhece atividade lícita mais lucrativa no Brasil do que a valorização da terra agrícola no Nordeste paulista, polarizado por Ribeirão. Está na última pesquisa do Instituto de Economia Agrícola da Secretaria da Agricultura de São Paulo: em 2001, em Ribeirão, cada hectare de propriedades com menos de 7,26 hectares, com benfeitorias, valia R$ 8.112,95; em dezembro de 2006, foi para R$ 25.051,00 – valorização de 208,82%.

Na média, o salto da cafeeira Franca, da boiadeira Barretos, da graneleira Orlândia, da canavieira Jaboticabal e entre os laranjais e canaviais de Araraquara, foi de R$ 6.295,00 para R$ 16.189,00 ou 257%. “Em Iowa, a terra valorizou quanto em cinco anos?”, desafia Golfeto.

 

A LUZ QUE VEM DA CANA

 

Não imagine alguém à sombra dos canaviais, porque ela não existe. Mas eles fornecem até luz, tirada do seu bagaço e transmitida à rede elétrica como a mais barata energia conhecida, a da biomassa: limpa, e abundante justamente na época do estio, quando o ‘apagão’ ameaça parar o País. E esse é só um dos quase cem subprodutos da cana, ávidos por investimentos para triplicar seu potencial energético. Isso não exige nem um pé cana nem um centímetro de terra a mais.

Este ano, a co-geração de eletricidade a partir do bagaço faz vinte anos. Mas o País só usa 860 MW dos 8 mil MW do potencial (dois terços de Itaipu). Essa energia deveria ser leiloada a até R$ 180 o MWh, porém, não se arremata por mais do que R$ 130. Assim, das 147 usinas paulistas, apenas 20 participam da venda de excedente para as concessionárias.

O engenheiro Arthur Padovani Neto e o empresário Jairo Balbo fizeram a primeira ligação na rede pública, da Usina São Francisco, da Organização Balbo, em Sertãozinho, em 1987. Para Arthur, o entrave maior é a falta de regulação do sistema por parte do governo. “Por exemplo: a verba para financiar a co-geração só é liberada se a obra estiver pronta, mas o certo é o cronograma financeiro acompanhar o físico. Parece que o BNDES e a Aneel se resguardam tanto, que um não faz porque o outro não fez. Não há uma cadeia de responsabilidade desses dois órgãos com a empresa. E uma planta de co-geração custa US$ 40 milhões. Ou seja, enquanto a luz que vem da cana custa US$ 1 mil o MWh, a de uma hidrelétrica custa o triplo. Só o governo não percebe como é barata essa energia.”.

 

O CRÉDITO DA

‘FAXINEIRA’ DO AR

 

Ecólogos definem a lavoura de cana como “a lixeira do ar”, devido à sua fotossíntese intensa, mais ativa produtora de oxigênio do que uma floresta, já estabilizada, enquanto o canavial não pára de crescer.

O alerta da ONU para o aquecimento global e conseqüente mudança do perfil da agricultura não preocupam produtores de cana, açúcar e álcool. A cultura canavieira é uma das introdutoras do Brasil nesse novo mercado de crédito de carbono. “A ameaça, além de não nos preocupar, aumenta nossa responsabilidade, porque sempre tivemos consciência da importância ecológica da nossa matéria-prima. Sabemos como ela melhora a qualidade do ar e contribui para minimizar os efeitos do aquecimento”, insiste Jairo Balbo, do Conselho de Administração do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), em Piracicaba.

Investir na agroenergia para lucrar com o mercado de crédito de carbono é outra oportunidade de (bom) negócio no interior de São Paulo. E a China terá muito a ver com isso. Uma tonelada de cana resgata mais ou menos 800 quilos de dióxido de carbono do ar. E emite na produção, indústria e consumo, 600 quilos (é o débito). A diferença de 200 quilos de CO2 por tonelada é o crédito.

Os maiores compradores desse crédito hoje são empresas americanas, japonesas e o governo holandês, que repassa para as empresas poluentes dos Países Baixos. A Usina da Pedra, da cidade de Serrana, vende créditos de carbono para a suíça BHP Billinton, a maior mineradora do mundo. A Billinton já comprou 55 mil toneladas de CO2 em créditos de carbono da Pedra.  O preço no mercado internacional varia de US$ 5 a US$ 20, a tonelada. Esse preço deve subir nos próximos meses: a China anunciou que comprará crédito para compensar a poluição de suas indústrias. Depois dos EUA, é ela a maior poluidora do mundo.

 

O PLÁSTICO QUE NÃO POLUI

 

O engenheiro Sílvio Ortega parece uma criança com seu mais novo “brinquedo” nos braços. É a tampa do motor de um carro japonês, mas feita de plástico biodegradável brasileiro, fabricado na cidade de Serrana pela PHB Industrial, dona da marca Biocycle, controlada pelas empresas Irmãos Biagi S.A – Açúcar e Álcool e Organização Balbo.

O sonhado plástico biodegradável é só a gordurinha extraída de uma bactéria, depois que ela come açúcar. O polímero, milimétrica bolinha plástica, já pode substituir 24% do plástico derivado de petróleo – ganho ecológico igual a nove bilhões de barris de petróleo por ano. O que vem da cana se decompõe na natureza em menos de seis meses; do outro, ninguém sabe.

O mundo consome 230 milhões de toneladas de plástico por ano — 55 milhões na forma biodegradável. Para investidores nacionais e estrangeiros é uma oportunidade de negócios avaliada em US$ 150 bilhões anuais, só daqueles 24%.

É necessário o aporte de uma empresa que participe desse “hardcore” da PHB e atenda ao interesse do consumidor externo e do setor de vendas. O papel desse parceiro é investir na planta para fabricar a variedade de produtos e vendê-los – ele não precisa ser sócio.

A fórmula é da PHB e a forma do produto é o comprador quem dá. Servirá para artigos injetados, como as embalagens, até a tampa do motor do automóvel,          que resiste ao calor, pressão, choque térmico e se enquadra nas normas internacionais. Por exemplo: na Alemanha, até 2012, 95% dos componentes dos carros precisarão ser recicláveis, de fontes renováveis. A tampa do motor feita de plástico biodegradável passou por todas as condições de desgaste, diz Ortega.

O plástico biodegradável tem certificação internacional (DIN, na Alemanha, com chancela nos EUA e Japão, mediante acordo). Em breve o Brasil fará convênio internacional para se consolidar nesse mercado, anuncia Ortega.

Não dá para fazer o biodegradável sem o polímero. A PHB viu que precisava dessa engenharia de materiais, para atender as indústrias que querem a caneta; a embalagem de alimentos; o copinho do iogurte ou a fralda – e o plástico é apenas um dos 19 componentes da fralda. Substitui o isopor, também. Aí, entra a engenharia de transformação, porque cada produto exige um modelo de procedimento industrial.

De plástico biodegradável também se fazem tubetes para mudas de plantas – tubetes que se degradam no tempo exato de a muda estar pronta para ir ao campo.

A importância do produto é estratégica e ambiental: os EUA têm 2% do petróleo e 5% da população mundial, mas consomem 25% da energia da Terra. O biodegradável, como fonte renovável, ajuda a reduzir a dependência do petróleo e a emissão de poluentes.

 

SUBPRODUTOS OU SUPERPRODUTOS?

 

Para o cientista Tadeu Andrade, coordenador de pesquisas do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), em Piracicaba, o bagaço precisa de investimentos para torná-lo também bom produtor de álcool. Sua celulose é uma grande cadeia carbônica que pode ser quebrada pela hidrólise e produzir álcool e açúcar. Com a hidrólise, o bagaço é capaz de dobrar a produção de álcool. Mas não há recursos para desenvolver a tecnologia, já dominada e em uso na Usina São Luiz, do Grupo Dedini, em Pirassununga. O setor espera investidores para aplicar na fermentação das moléculas com cinco carbonos (pentoses) e fazer álcool; as de seis carbonos (hexoses) já são fermentadas e dão açúcares.

Outra meta: acabar com a queima do bagaço. Há tecnologia em desenvolvimento que o transforma em gás. “A gaseificação gera seis vezes mais energia, sem ampliar os canaviais. Aí, só a cana dará conta de 30% das necessidades energéticas do País”, aposta Tadeu. O grande obstáculo é trocar a caldeira por turbinas de alta pressão. O gás do bagaço pode fornecer, ainda, todos os elementos químicos, entre eles enxofre, fósforo, hidrogênio, oxigênio, até o diesel — que é enxofre.

Os derivados da cana, do açúcar e do álcool já podem substituir 75% dos produtos da petroquímica. Falta capital para pesquisa e redução dos custos quem tornem os subprodutos competitivos. Os outros desafios mais próximos da conquista são:

  1. Produzir lignina a partir do bagaço. É carvão ecológico em lugar do carvão mineral em todas as funções, principalmente nas siderúrgicas.
  2. Homogeneizar bagaço e palha. Uma tonelada de cana dá, ao mesmo tempo, 240 quilos de bagaço com 50% de umidade e 240 quilos de palha por hectare. Eles têm as mesmas propriedades energéticas; são quimicamente iguais, mas fisicamente diferentes, porque têm densidades diferentes.
  3. Extinguir o controle químico da produção de levedura de cana com ácido e antibiótico. Assim, esses elementos não voltarão ao campo com a vinhaça, na fertirrigação.
  4. Realizar o clareamento de todos os tipos de açúcar sem uso de enxofre. A experiência começa nesta safra, na Usina São Francisco, de Sertãozinho.

 

VANTAGENS

 

O cientista observa que os concorrentes do Brasil não têm as melhores tecnologias para obtenção dos produtos mais baratos: Colômbia, Austrália, México. “Nem espaço: fora mata Atlântica, Amazônia e Pantanal, tudo é apto para a cana, o que significa multiplicar por 10 o que existe hoje – mas não se conhecem as melhores variedades para essa expansão, o que encarece a empreitada. Por enquanto, se uma variedade der certo na fronteira, é sorte. Se o Brasil trouxer cana de fora para se adaptar aqui, dá”.

O momento é de transição irreversível da matriz energética mundial: do hidrocarboneto (petróleo) para o carbohidrato (cana). Outra rota é a da célula de hidrogênio – por isso, o álcool não terá uma vida longa como o petróleo, prevê Tadeu: 50 anos no máximo. Mas é fundamental lembrar que o álcool é uma cadeia cujos elos são Hidrogênio, Carbono e Oxigênio. O hidrogênio, ao ser liberado da cadeia do álcool, vira combustível e não existe melhor fonte de hidrogênio para esse fim do que o álcool, porque sua cadeia carbônica é mais fácil de ser quebrada, diz Tadeu.

Outro atrativo para investidores é a base instalada: terceira bomba em todos os postos, logística, dutos, infra-estrutura de pesquisa com o CTC ligado a outros institutos, e universidades brasileiras e estrangeiras. Fora a conquista do seqüenciamento completo do genoma da cana. Já se alcançou a fase do estudo funcional do genoma (a função de cada gene para o futuro).

O Centro de Tecnologia Canavieira tem 150 usinas associadas e 17 associações de produtores de cana. É o ponto de partida e de referência para investidores interessados em entrar no setor ou expandir o que já têm.

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