Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2006Crônicas

Incidente em Campinas

Carlos Gomes foi o primeiro a se levantar. Subiu a Barão e, na Uruguaiana, invadiu o apartamento de dona Izalene. “Vim puxar-lhe as pernas, por tudo de ruim que a senhora fez contra nossa terra, principalmente contra nossa cultura. Quando morrer, seu túmulo pagará IPTU em dobro!” Seo Orosimbo Maia, de bengala em punho, invadirá hoje o gabinete de seu último sucessor: “Meus parentes, nem o futuro genro, tinham emprego na prefeitura. Sua sepultura será tomada por cobras e lagartas, que lhe devorarão até o último centavo, até pagar o IPTU da minha última morada!”

Carlito Maia, filho de seo Orosimbo, artista entre nossos artistas, regerá um coro diante da porta daquele secretário de cultura que não ousa dizer seu nome – como o amor: “Burro! Burro! Burro! Viu como você é conhecido na cidade que quis destruir? Vai ouvir e pagar para sempre o IPTU de minha última morada. Audácia!”

 

… A história do vilarejo, inicialmente chamado de Pocinho da Caveira, começa com a visita de um cientista, o naturalista francês Gaston Gontran D’Auberville por volta de 1830/31, que diz encontrar já no lugar um fazendeiro chucro e desconfiado chamado Chico Vacariano. O cientista diz ao fazendeiro, apontando o céu, que a estrela Antares é maior do que o Sol. O fazendeiro não acredita, mas gosta do nome, porque parece o de um lugar onde se criam antas, por isso, mais tarde, o vilarejo passa a se chamar Antares, embora na vila ninguém entenda o motivo.
… Por volta de 1860 chega ao lugar, como senhor de vastas terras, Anacleto Campolargo, o que desagrada muito Vacariano. Anacleto chegou para fincar pé e pela primeira vez alguém enfrentou Chico Vaca, aí nasceu a eterna rixa entre Vacarianos e Campolargos, briga que foi mantida pelos descendentes até o ano do incidente.

… A partir daí, Érico Veríssimo narra a história de ódio entre os sucessores dos clãs para contar passagens importantes das histórias do RS e do Brasil. Quando Vacarianos estavam de um lado, com certeza Campolargos estavam de outro, à exceção da Guerra do Paraguai, em que lutam do mesmo lado, mas divergem em relação à autoria da morte do ditador Solano Lopes.

… As únicas alterações ocorridas nas histórias dos clãs deram-se mais modernamente quando as violências físicas cessaram e Dona Quitéria assumiu a direção do clã dos Campolargos, por incompetência política do marido Zózimo.

… A segunda parte, com 102 capítulos, trata propriamente do INCIDENTE e começa com uma greve geral que Tibério Vacariano tenta impedir a todo custo, mas não consegue. O texto assume então um tom irônico de denúncia da estrangeirização da indústria brasileira e da confusão estabelecida entre grevistas e comunistas, o que para muitos eram uma coisa só.

… A situação piora quando, na sexta-feira, 13 de Dezembro de 1963, sete pessoas amanhecem mortas, D. Quitéria Campolargo é a morta mais ilustre, seguida pelo Dr. Cícero Branco, o Prof. Menandro, o Barcelona, o Joãozinho Paz, a prostituta Erotildes e outro de menor importância. O fato é que a greve se amplia aos coveiros e os mortos não podem ser enterrados nem por eles, nem por ninguém.

… O incidente piora ainda mais quando um ladrão de sepulturas tenta roubar as jóias dos mortos e se depara com D. Quitéria ressuscitada e em seguida ressuscitam todos os outros que, depois de mortos, unem-se visto não haver classes sociais para defuntos. Depois de reunidos, devidamente apresentados e de aparecerem na cidade, saem cada um para seu lado para acertar contas pendentes com os vivos.

… Em função do ajuste de contas, os mortos são apedrejados e descobrem que não são bem-vindos, mesmo D. Quita. Os grevistas, diante do ocorrido, resolvem suspender o movimento e enterrar os mortos, que aceitam, e o enterro é feito no sábado, 14 de Dezembro.

… O prefeito Vivaldino tratou logo de desmentir o ocorrido, que aos poucos foi esquecido e na vida como os romances, logo tudo voltou ao normal, com exceção de às vezes, alguns vultos na calada da noite picharem frases nos muros da cidade.

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