Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2010Crônicas

Igual

Lá está ele, o 117, no fim da linha. Ainda vazio. Pronto para voltar à cidade. Barra baixada para ninguém viajar nos estribos. Os encostos já de costas para o Castelo e o aviso em vermelho sobre o verniz, nos martelando a viagem inteira: cinco lugares e cada banco. Sol forte, algumas cortinas descidas entre os balaustres, em listras vermelhas, marrons e beges, que nos protegiam da chuva, também. No assento do primeiro banco, logo atrás do motorneiro, uma tampa disfarçada escondia a caixa de areia. Uma alavanca puxada em cima da hora a espalhava pelos trilhos, reforçando o atrito das rodas, ferro contra ferro, para o carro não deslizar nas rampas em dias de chuva, não escorregar no sabão esfregado pela molecada nem nas tampinhas de guaraná. Um perigo descarrilar. Mas ninguém matava, ninguém morria, embora fagulhas e pontas de agulhas faiscassem nas noites de todos os santos. Piegas, para quem nunca viajou de bonde; inesquecível para quem viveu aquela ventura de estar num lugar onde ninguém estava triste. É isso! O bonde não levava tristeza.

“117” era o prefixo de um dos bondes do Castelo, que percorria a linha “10”, assim como a “9” era a do Botafogo e do Culto à Ciência e a “11”, a da Saudade. Tennessee Williams que me perdoe, mas “Saudade” é o sentimento de todos que deixam Campinas e “Desejo”, dos que chegam ou querem voltar. Aqui jamais haveria um bonde chamado “Desejo”, posto que esta terra mágica é, sim, desejada. Ela possuia bondes chamados Castelo, como esse que vai partir daqui a pouco; outros que iam para o Bosque, Cambuí, Vila Industrial, Guanabara, Taquaral, Bonfim… Eram 14 linhas, como versos de um soneto que se apagou.

Ir de bonde para casa, para o trabalho, para o hospital, até para o campo da Ponte ou para o cemitério não era uma viagem, mas sempre um passeio. A viagem no “117”, que está parado na Rua Oliveira Cardoso, perto da sorveteria “La Torre de Pisa”, começou na  Praça Bento Quirino, seguiu pelas ruas do Sacramento, Marechal Deodoro, Dr. Quirino, avenidas Dona Libânia, Orosimbo Maia, Brasil, ruas Joana de Gusmão, Barros Monteiro, Pereira Tangerino e…  Oliveira Cardoso. Agora, ele voltará pelo mesmo caminho. Ou itinerário, como diziam os condutores, também chamados cobradores. Eram eles, e não os motorneiros, que “conduziam” o bonde, puxando a cordinha: “dém, dém…” (Reflexo condicionado: fora do serviço, toda vez que um motorneiro ouvia um “dém, dém”, fazia um movimento imaginário com os braços, como se girasse a roda que soltava os freios…)

Quatro meses depois de fechada para reforma, a Torre do Castelo foi reaberta sexta-feira, sem as árvores que a rodeavam, sem ‘seo’ Scetina para cuidar da torre da TV Tupi, sem ‘seo’ Salim Murtada, de bibico e avental branco no bar, e sem graça nenhuma, porque bom era chegar ao Castelo de bonde.

Pregado no poste: “Campinas, cada vez mais igual às outras”

 

 

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