Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1999Crônicas

Heroínas

Acabei de arrumar a cozinha. Aprendi num curso intensivo, ainda em São Paulo, só aos domingos, porque trabalhava de segunda a sábado, de sol a lua. Curso prático, ministrado por aquela santa que mora aqui em casa, sempre à tarde, depois que aparece um monte de amigos para almoçar. Naquele tempo, não havia máquinas para lavar louça e a maior invenção tecnológica, até então, eram o Bom Bril e o detergente ODD. No dia em que ela descobriu que o detergente polui as águas do Tietê, tive de voltar ao Minerva pó — sabão em pedra rende menos.

Aprendi muitos truques para facilitar esse trabalho. O primeiro é esvaziar a cozinha, pôr todo mundo para fora e ligar o rádio bem alto na Jovem Pan, para ouvir as brincadeiras do Milton Neves com o Renato Otranto, antes de o futebol começar. Mais ou menos como as empregadas faziam todas as manhãs, ouvindo músicas caipiras no programa do Zé Bettio e as atrocidades narradas pelo Gil Gomes. Não sei por que, mas o rádio ajuda a arrumar a cozinha.

Comece devagar, pelas bocas do fogão. Retire todas, mergulhe numa vasilha, com água e limão e deixe descansar. Para tirar o cheiro de alho e gordura do fogão, esfregue borra de café. Fica limpinho. E cheiroso, se depois, você passar água e sabão. Ponha a panela do arroz de molho com água e espuma de sabão que fica na bucha enquanto lava os talheres. É mais fácil para desgrudar o arroz. Para ir mais depressa, lave três talheres de cada vez, mas assim: três facas, três garfos… Se misturar faca com garfo, o risco de cortar ou espertar o dedo é grande.

O feijão e seu caldo, que ficam nas bordas internas do caldeirão, saem mais rápido se você abrir a torneira com força e “esguichar” o jato da água sobre eles. Depois, é só arear. De vez em quando, sua mulher virá espiar se você está trabalhando direitinho. Não fique bravo se ela puser em cima da pia mais um mundo de copos sujos. Copos devem ser lavados um por um e parece que o serviço não acaba nunca. O jeito é ir contando cada copo lavado. Distrai e quando você menos espera, lavou todos. Os pratos devem seguir o mesmo ritmo. Depois de enxaguar cada um, esfregue o polegar. Se deslizar, ainda está com gordura — precisa lavar de novo.

A lixeirinha, devidamente forrada com saco plástico, desses de compras em supermercado, tem de ficar na pia. Coloque nela os restos de comida. Por último, lave as panelas. Se o cardápio teve pernil, frango ou peixe assado, antes de começar a limpeza do fogão, é bom colocar a assadeira com água e pedaços de sabão para ferver. A gordura sai que é uma beleza. Se deixar para o dia seguinte, ninguém agüenta o cheiro e fica mais difícil limpar.

Na pia deve ser passado sapólio, sapólio Radium de preferência, para lembrar da cantora Isaurinha Garcia. Seu primeiro sucesso foi um anúncio desse saponáceo, ainda nos tempos do rádio: “Chego em casa, cumprimento o patrão e a patroa…” Talvez por isso todas prefiram arrumar cozinha ouvindo rádio. Não esqueça: passe Bom Bril nas bocas do fogão que estavam de molho no suco de limão. Elas ficam brilhando. Por último, o mais cansativo: balde, água, sabão e vassoura para lavar o chão. Quando tudo estiver limpo, faça um cafezinho e leve para sua mulher, que está diante da TV assistindo a um filme. Ela merece o marido que tem.

PS: Dedico esta crônica a todas as donas de casa e domésticas do Brasil. Não é fácil. Agora, com licença: ainda tenho de lavar o banheiro e passar roupa.

 

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