Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2010Crônicas

Fim do Zé

Nossa história de ontem terminou com Zé Mundão, filho de escravos libertos da família Souza Aranha, na cadeia da Dr. Quirino esquina de Benjamin Constant. Libertos, ele e Baianinho passaram a ganhar maior fama. Todo assalto na cidade ou região era atribuído a eles. Novamente preso, Zé passou a sofrer mais torturas, recluso, espremido em uma caixa de madeira, nu, onde dia e noite um encanamento de água gotejava em seu corpo.

Durante essa agonia, não pediu clemência uma só vez. Na noite de 22 de setembro de 1909 foi posto em liberdade, mas já não era o mesmo. As pernas bambeavam, o rosto estava repleto de equimoses, o lábio rachado em vários pontos e faltavam-lhe três dentes. Por vários meses ficara imobilizado no seu leito, situado num casebre, devidamente auxiliado com medicamentos e dinheiro por jovens abastados, pertencentes à família Arruda.

Restabelecido, Zé Mundão abrigou-se numa cocheira localizada na Rua Campinas Velha (atual Moraes Sales), protegido por um português de nome Cabral. Mas quando a noite chegava, o valentão voltava ao mundo marginal.

Novamente polícia saiu à caça do valentão… O ano era 1912 e após uma caçada impiedosa o prenderam. Só voltou à liberdade quatro anos depois, tendo seus amigos comemorado com uma grande festa no Palheiro. Sifilítico e com artrite reumatóide, esteve outra vez detido por vadiagem em um botequim, mas logo foi libertado.

Já com as mãos deformadas, Zé Mundão continuava a frequentar as festas e tocar seu pandeiro — com rara maestria, apesar daquelas mãos. Difundido o samba, os batuques e a congadas ficaram logo esquecidas. Mas Pirapora e Aparecidinha recebiam alegremente a visita do valentão e seus companheiros. Percurso, por sinal, feito a pé até Aparecidinha, em companhia de sua companheira, Vitalina da Conceição.

Na noite de 13 de novembro de 1936, domingo, Zé Mundão voltava para casa, alegre, satisfeito, sambando no meio da estrada, quando um carro particular, chapas de número 54.701 o colheu, arrastando seu corpo por metros além.

Morte instantânea.

Por vários dias, correu a célebre frase pela cidade de Campinas: “Zé Mundão morreu… Morreu Zé Mundão…

Os batuques calaram.

Partia o maior valentão e sambista de todos os tempos!

Seu corpo foi enterrado numa sepultura simples na quadra 30 do número 144, no Cemitério da Saudade.

Por alguns anos, muitas velas eram colocadas ali…

Hoje resta o esquecimento de uma figura que amedrontou a polícia campineira e paulistana por quase meio século. Será que o túmulo está lá?

Pregado no poste: “O preço do curso sobre oração e jejum não inclui a comida”

 

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