Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2008Crônicas

Fantasiar é preciso

Saibam todos quantos estas linhas lerem que o mundo perdeu o único homem capaz de, um dia, definir esta nossa profissão de contar a história à queima-roupa. Tudo porque, numa manhã de poucos fatos e muitos repórteres parados, eu já estava a ponto de explodir de impaciência, quando…

… quando a jornalista Irene Vucovix, o melhor texto do Estadão, chegou e eu não tinha uma história à altura de sua arte para escrever. Antes que ela chegasse à minha mesa, tocou o telefone ponta-a-ponta com a Central de Polícia. Era o Soares, velha pantera cor-de-rosa, figura adorável: “Chefe, um caminhão perdeu os freios numa ladeira em Itaquera e passou por cima de um monte de crianças que acabaram de sair da escola!”

A explosão de impaciência virou explosão de… alegria!? Nunca tantos olharam com tanto espanto para tão poucos, eu, que até ali estava diante de um bando de repórteres à espera de uma boa pauta. Não sei quem, mas alguém de São Paulo ligou para meu irmão Roberto Godoy, constatando que eu estava louco. Afinal, como exultar daquele jeito diante de uma tragédia como aquela.

“Seuroberto”, como dizia minha avó, sem dizer nada, convidou-me, e àquela santa, para um fim-de-semana em Campinas. Fomos. Após o almoço no Mineiro, na Zé Paulino, seguimos para um lugar no fim da Avenida Brasil. Lá, nos esperava mestre Maurício Knobel, uma das maiores autoridades mundiais em psicologia, trazido para honrar Campinas por uma das maiores autoridades mundiais em semear universidades, Zeferino Vaz, magnífico reitor do “Sítio do Zefa”, como chamávamos sua Unicamp.

Diante de um grupo de repórteres adrede convidados, ele já sabia do meu “caso’, relatado pelo “Seoroberto” – daí aquela seção de descarrego, então uma atividade séria. Doutor Knobel me fez repetir o drama vivido naquela manhã, recheado sobre o meu dia-a-dia de trabalho no jornalão da família Mesquita.

Como ninguém se espantasse com o meu “caso”, o diagnóstico do mestre foi perfeito e valeu para todos nós reunidos à sua frente:

— Em qualquer lugar que haja muita gente, vocês são incapazes de se juntar a outras pessoas. Agrupam-se e formam clãs. A obrigação de viver em atrito constante com a verdade, de só buscar a verdade, os impede de fantasiar um pouco a vida, de acreditar no enredo de um bom romance. ‘Se não é verdade, não me interessa’”!

Na mosca.

Mas na minha fantasia, começo a crer que ele não partiu.

Pregado no poste: “E as obras do Culto à Ciência?”

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