Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2005Crônicas

Falta educação

Enquanto a polícia investiga a autoria de panfletos de conotação racista contra judeus, distribuídos em casas dos jardins Paraíso e São Fernando, há 45 anos, quando Campinas era civilizada e seus professores, como nossos pais, acontecia este momento sublime numa sala de aula:

“Um fato marcou muito minha vida. Em 1960, segunda série ginasial, estudávamos Latim com dona Zilda Kaplan, no Colégio ‘Culto à Ciência’. Foi uma das professoras que mais me cativaram, pela calma, serenidade e extrema educação. Era filha de um  destacado comerciante de móveis de Campinas, o sr. Ela Kaplan. Naquela época, o cinema explorava demais temas da Segunda Guerra, ainda frescos na memória das pessoas. Esses filmes nos fascinavam — aos garotos particularmente. Num dos intervalos de aula, alguém desenhou na lousa uma suástica e escreveu frases agressivas em um suposto alemão, muito ouvidas nos filmes. Na inocência dos 12 ou 13 anos, penso que ele nem tinha idéia do que fazia, tampouco de que justamente aquele intervalo antecedia a uma aula da dona Zilda, cuja família havia sofrido os horrores da perseguição aos judeus, na Europa.

Ao entrar na sala (costumo dizer que dona Zilda não andava, ela singrava… tamanha sua delicadeza), ela teve de reparar na lousa. Transtornou-se  momentaneamente, sentou-se, fez a chamada, e delicadamente solicitou que alguém apagasse a lousa, o que não era seu costume. Notávamos que algo estava errado com ela. Após uma reflexão de minutos, e um silêncio terrível que se seguiu, dona Zilda iniciou uma explanação sobre o que o nazismo significou para o mundo e especialmente para o seu povo. Pena que, na época, não havia a chance de perpetuar, em fita gravada, aquele sublime depoimento. Arrancou lágrimas até dos mais desinteressados. Muitos de nós, creio, nunca tiveram oportunidade de ouvir relatos tão reais e comoventes. Naquele dia, não tivemos uma aula de Latim, mas uma aula de vida. Uma lição de sobrevivência. Carlos Francisco de Paula Neto”.

Pregado no poste: “Imprescindível é a honestidade, Lulla!”

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