Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2001Crônicas

Estrela imaginária

“Nunca houve uma mulher como Gilda” anunciava o cartaz do filme que consagrou a atriz Rita Hayworth, lançado em Campinas em 1947. Essa mulher lendária que, dizem, só precisava tirar uma das luvas para parecer que fazia um strip tease completo, inspirou a Gilda de Campinas.

Há 50 anos, no dia 22 de abril de 1950, o Correio Popular noticiava: “Desaparece da fisionomia da cidade uma de suas figuras populares. A ‘Gilda’ foi levada para o Hospital Franco da Rocha. Lá, continuará cumprindo o seu destino, continuará pensando que é ‘Gilda’”. “Franco da Rocha” era o sinistro “hospital de loucos”, que depois virou manicômio judiciário, em torno do qual se formou a cidade de Franco da Rocha, perto de Jundiaí, em homenagem a um dos primeiros médicos brasileiros especialista em doenças nervosas.

Nunca revelou suas origens, seus parentes. “O mundo é meu”, respondia, quando tentavam vasculhar sua vida. “Sou daqui mesmo, porque gosto daqui”, despistava. A idade? Jamais! Matava a fome e a sede pelos bares, podendo ser um pastel no Bar do Voga e um suco de frutas mais adiante, na Casa das Vitaminas, mas sempre pelo centro da cidade, o palco iluminado da sua imaginação.

Ela foi internada depois que minguou a ajuda de alguns “fãs”, que chegaram a alugar um quarto para ela no Centro. “Tinha um quarto para passar as noites, porque os dias ela os passava fazendo o footing obrigatório na Rua Barão de Jaguara. Um gesto humano de corações solidários”, como definiu o Correio, quando noticiou sua internação. Pouco antes de ir para o hospital, sem pouso certo, Gilda vivia ao léo. Mas, mesmo assim, continuava a mesma figura popular, com as mesmas aspirações de grande estrela do cinema. A notícia daquele 22 de abril descrevia: “As suas condições de saúde, abalada pelo absoluto desamparo, pelo desconforto das noites passadas aí pelos becos, pelos cantos, pelas lajes das soleiras dos ricos edifícios de muitos andares, iam se fazendo precárias.”. Era muito querida. Tão querida, que sua ausência era notícia de jornal.

Essa nossa Gilda não ficou muito tempo em cartaz naquele hospital. Três, quatro anos depois, estrelava novamente a pureza de sua alegria pelas ruas de Campinas. Como Gilda, nossos “tipos populares” eram os maiores amantes da cidade. Jamais se ouviu de qualquer um deles um gesto, uma expressão, contra Campinas. Também eram os que mais conheciam nossas ruas, praças, avenidas, becos, cantos e antros. Para muitos, eram loucos. Pela distância do tempo, sente-se que eram loucos por esta terra, esses grandes conhecedores da alma campineira e dos campineiros.

Palmilhavam Campinas inteira, dia e noite, sempre transbordando a alegria de viver aqui e com os que aqui viviam. Com Gilda, formavam um “elenco” inesquecível esses astros e estrelas populares de nossa paisagem: Mané Fala Ó, Zé Trovão, Dito Colarinho, Firma Nêga, Coronel Receba, Fala Rio, Maria Batalhão e Manquinha, Maria Louca, Currunhado, Pedro Caramujo, Oscarlina, Falinha…

Gilda desfilava pela cidade com roupas que lembravam a Gilda de verdade, vaidosa, toda maquiada, com faixas que a “consagravam”, também, como “miss” Campinas, Guarani, Brasil, Universo e o que mais existisse. Sempre sorrindo, certa de uma sensualidade que jamais exibiu, pedia todos os homens em casamento. Eles a incentivavam, pediam para ela cantar, e Gilda se via no palco, imitando Maysa: “Meu mundo caiu…”. Talvez morasse na Saldanha Marinho com Hércules Florence: pelo menos, só viajava no Bonde 9, do Botafogo, para chegar à cidade, sem jamais pagar a passagem. Algum gentil “galã” pagava para ela e recebia um convite: “À noite, espero por você na grama da Praça do Trabalhador…”. E saltava, provocante, do estribo para a calçada, erguendo o vestido longo até os joelhos.

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