Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1999Crônicas

Estranho, muito estranho…

No Brasil, algumas instituições jamais vão à falência. A não ser por desejo dos próprios sócios ou interferência política e outras mais inconfessáveis. Clube de futebol é uma delas. Escolas de samba, também. Casa lotérica, banca de jogo-de-bicho, clube de carteado, rinhas de galo, gato e cachorro, templo caça-níquel ou mesmo igrejas que levam a sério sua missão religiosa. Ninguém deixa acabar.

Outras, geralmente de interesse social, como escolas (o ensino público faliu), hospitais, entidades filantrópicas, bibliotecas, morrem todo dia. Sempre por descaso e desinteresse do Poder Público.

As notícias do Zé Pedro Martins, alertando para o fim anunciado do centro de recuperação de dependentes de drogas do padre Haroldo Rahm, são estarrecedoras e colocam em dúvida as intenções de todas as autoridades brasileiras. Nosso Zé foi fundo na denúncia: “Um dos mais eficazes programas de prevenção e combate ao uso de drogas na América Latina, que vem sendo desenvolvido em Campinas, está com os dias contados. Por falta de apoio dos poderes públicos, o Centro de Formação e Treinamento, ligado à Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas e que capacita lideranças de todo o País para a guerra permanente contra as drogas, pode fechar as portas até o final de março.”. Sutil a outra informação do Zé: “A meta é o aprimoramento dos esforços de prevenção e recuperação, diante do crescimento de um mercado que em todo planeta movimenta US$ 300 bilhões anuais….” (as reticências são minhas).

Padre Haroldo, o senhor não me conhece, mas aprendi a acompanhar e a admirar seu trabalho desde que o senhor chegou a esta terra de Barreto Leme, outrora pura e bela paragem, hoje infestada de bandidos, alguns de colarinho branco outros de botina amarela, covardes, traficantes, que o senhor, com essa estirpe texana, ousa combater como um caubói do século vinte. Sem brincadeira, sempre o imagino de batina, cinturão e cartucheira em defesa dos jovens.

O senhor não considera estranha, muito estranha, essa omissão dos podres (digo, poderes) públicos diante do seu desespero para salvar nossos jovens da sanha de um mercado de 300 bilhões de dólares?  Afinal, cada garoto, cada menina, que o senhor tira desse mercado é uma fonte de renda a menos para esses vendedores da morte. Às vezes, me pergunto: a quem interessa prejudicar o tráfico de drogas? A quem aproveita diminuir o consumo de entorpecentes?

Não é só Brasil. O seu país e praticamente o mundo inteiro naufragam numa grande onda de cinismo e deboche com a vida humana. Não sei o que está acontecendo, mas de repente, nada tem valor, tudo é vulgar, inútil, descartável. Gente que nunca se viu, nem tentou a ventura de uma amizade, se mata no primeiro encontro. Não está assim?

A diferença é que no Brasil o cinismo existe às escâncaras, principalmente por parte desses poderes públicos que, em vez de aprender com sua equipe, lhe dão as costas.

Pode parecer cruel o que estou pensando. Mas cinismo por cinismo, padre Haroldo, acho que se o senhor pedir recursos aos traficantes é capaz de eles não lhe negarem. Ninguém é mais cínico do que um traficante. Perdão pela heresia, mas os poderes públicos brasileiros é que são hereges com os brasileiros. Que Deus o abençoe e ao seu pessoal.

Pregado no poste: “Quando os homens exercem seus podres poderes…”

 

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