Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1999Crônicas

Era tudo verdade

Aconteceu na fábrica da General Eletric, aí em Campinas. O coronel Mário Andreazza, então ministro dos Transportes da ditadura Médici, vinha para lançar uma locomotiva da GE. Foi pontual. Por isso, teve de esperar pela chegada do inquilino do palácio dos Bandeirantes, Laudo Natel, e pelo seu secretário de Transportes, Paulo Maluf. (Você pode não acreditar, mas esses dois já governaram São Paulo, sem que os paulistas fossem consultados.) Aproveitei a irritação do ministro e, com a devida licença dos asseclas do Planalto escalados para lhe dar segurança, entrei de sola:

— Coronel, como o senhor vê essa mania do governador e do secretário de espalhar placas com os nomes deles em todas as estradas de São Paulo?

— O governo Médici espera que os governantes dos Estados sigam o exemplo de Brasília. Nem na Transamazônica nem na ponte Rio-Niterói, as maiores obras desta gestão, há placas com o nome do general ou meu…

No meio da conversa, a dupla chegou, com tamanho estardalhaço promovido por seus bajuladores, que pareciam trazer uma placa de bronze pendurada no pescoço, anunciando a entrada triunfal. O ministro piscou o olho e sugeriu: “Vamos falar depois da cerimônia, porque com esses dois atrás de você, não dá para continuar a conversa…”.

Foram para a plataforma e o Andreazza fez um discurso curto. Saudou a direção da GE, o então prefeito Orestes e seu sucessor Lauro, já eleito, e arrematou com um “e demais autoridades”, sem citar nominalmente a dupla. Pensei comigo: “Se não virar mais um canto dos Lusíadas, a notícia dessa indignação do ministro vai fazer essa dupla arrancar todas placas com a marca do exibicionismo deles”.

Esperei o coquetel — a imprensa sempre ficava do lado de fora — e, de repente, a porta se abriu e o ministro perguntou: “Onde está aquele repórter do Estadão?” Fiz sinal e ele chamou para que eu entrasse.

— Vamos fazer um acordo? Esquece aquela história de placas de estradas e, em troca, eu te dou um furo, o próximo “Projeto Impacto” do presidente Médici. Ninguém está sabendo ainda. Que tal? Fica mal indispor o governo federal com o governo do Estado…

— Qual é o “Projeto Impacto”, ministro?

— Depois de Itaipu, vamos formar uma hidrovia que ligará o Rio da Prata ao Tietê. Será possível navegar da cidade de São Paulo a Buenos Aires, aproveitando o Rio Paraná.

Na saída, a dupla desmentia que era responsável pelas placas. “É obra da generosidade dos prefeitos”, despistou um deles.

Domingo, li no jornal que um empreiteiro, vítima da dupla, ganhou na Justiça uma indenização. Acusou e provou, em 1973, atos de corrupção no Departamento de Estradas de Rodagem. E acrescenta: “Eles nos mandavam construir marcos de homenagem a eles próprios, como se a iniciativa fosse de prefeituras”. Na época, por causa da denúncia, o empreiteiro foi sistematicamente alijado das concorrências.

Demorou, mas se fez justiça. Tanto tempo passou, acredito, porque no tempo da ditadura militar, o dito popular se invertera: “A justiça farda, mas não talha”.

PS: Infelizmente, no dia seguinte, a censura fez Luís de Camões assinar a “notícia” em meu lugar.

 

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