Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2004Crônicas

Ele vai longe

Semana passada, conversamos aqui sobre a grandeza da Fabiana Bonilha, nossa ‘Fabitu’, do “Diário Braille”. Disse que ela enxerga longe. Mais do que nós, pelo menos… As coisas que ela diz e faz não me saem da cabeça. Sempre aprendi as melhores lições de garra e generosidade com as pessoas que chamam de deficientes. Cada vez mais me convenço de que deficientes somos nós. O historiador José Chiachiri Filho, de Franca, por exemplo. Não há como descrevê-lo. Só conversando com ele, para aprender fé na vida. O jornalista Plínio Vicente, meu irmão lá de Roraima; outro, o nosso Pedrinho Bondaczuk – quer livrar-se dos tormentos da alma? Ficar feliz da vida é conversar com eles. Andam devagar, mas nos levam a todos os paraísos da mente humana. Estar com eles é uma ventura.

Agora, me aparece no caminho um garoto, o Sérgio Guzzi, portador de uma tal de artrogripose. Besteira. Parece paralisia infantil nas duas pernas, mas o que parece de verdade, e ele exibe diariamente, é a gana do melhor repórter, puro-sangue, como Deus não faz mais. Numa cobertura, grande ou pequena, ninguém ‘pega’ ele. Enxerga notícia numa gota de sereno, na expressão das pessoas pela rua ou até numa privada estacionada na porta de uma favela.

É tanta vontade de trabalhar, com prazer exposto no brilho dos olhos, que perguntei, espantado: “Sérgio, com tantas histórias vividas nesta curta vida, o que mais mexeu com sua alma?”. Vamos ouvi-lo:

— Enquanto a polícia investigava o assassinato de uma moça numa escola de informática, sua prima era estuprada, pela segunda vez!, na mesma hora da missa do Sétimo Dia. Ainda acho que o criminoso é o mesmo. Mas a polícia está preocupada com o roubo do trator em uma fazenda…

Veja esta:

— Semana passada. A menininha morreu de meningite e foi sepultada no mesmo dia em que faria cinco anos. Achei que devia ir ao enterro. No cemitério, o caixãozinho branco descia para a cova e a mãe, em estado de choque, cantava: “Parabéns a você…” Como doeu!

E a da privada?

— Voltava para a redação e vi, de longe, flores saindo de um vaso sanitário. E era mesmo! Uma latrina na porta do barraco, toda florida. Que foto! Quando a dona da “casa” chegou, foi se abrindo, sorriso largo: “Meu sonho é ter um banheiro com privada, mas aqui não tem nem esgoto… Enquanto ele não vem, o vaso fica aí, embelezando a entrada.” Nome da favela: ‘Sorriso’. Nome do bairro: ‘Mão Divina’.

Pregado no poste: “Nome do país: Brasil”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *