Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

1998Crônicas

Ele não viu ‘uma linda mulher’

Este ano que termina depois de amanhã acaba marcado por uma tragédia em Ribeirão Preto. Todo mundo ficou sabendo e estarrecido. Um jovem de classe média alta, desses que a gente conhece bem, levava uma garota de programa em sua ‘van’, dessas modernas, que a gente também conhece bem. Era de madrugada. As amigas da menina viram quando ele a pegou num desses bares que não fecham nunca e saiu com ela pela cidade. Quando o dia amanheceu (é horrível contar isso), pessoas de bem, a caminho do trabalho, encontraram pedaços da mocinha espalhados num trajeto de quase dois quilômetros. Esquartejada.

O rapaz, filhinho de papai gente rica, diz que a garota se enroscou no cinto de segurança e ele nem percebeu. Falou que eles discutiram, ela resolveu ir embora, desceu, bateu a porta do carro e ele arrancou. “O rádio estava num volume muito alto; se ela gritou, não deu para ouvir…” Coitadinho. A culpa deve ser dela. Não vou julgar ninguém. A Justiça (do Brasil…) que julgue. A menina estava grávida de dois meses. Ninguém sabe quem é o pai. O DNA diz que não é o suspeito.

A vida tem cada vez menos valor. A das prostitutas, então… Não se trata de ser moralista nem de defendê-las. Elas se defendem como podem e vai atrás quem quer. Ponto final. O que não tem cabimento é desrespeitá-las. Elas na delas e quem as quiser que vá até elas. Ninguém tem nada com isso. Trotoar? Se não houver procura, não haverá oferta. É assim com todas as profissões, até com a mais antiga…

Domingo, essa história me voltou à cabeça. Julia Roberts deu um show de interpretação num filminho tipo fotonovela, ingênuo, inocente, quase inacreditável. Um empresário rico (Richard Gere), filho de papai bilionário recém-falecido, a ‘pega’ numa das “bocas” de Hollywood e a leva para um hotel cinco estrelas. Queria um passatempo por uma noite. Saíram também num desses carrões da moda e foram para o hotel. Histórias parecidas, com a diferença de que o ator faz o papel de um homem que trabalha e já não tinha pai. Acho que todo mundo assistiu a esse filme. Passou há anos nos cinemas. Só fui vê-lo agora.

Interessante. Está certo: “é coisa de cinema”, vão dizer. Mas houve diálogo, compreensão (sobretudo compreensão) e respeito. Ela foi procurada, fez seu preço, ele aceitou e assunto encerrado. Depois que se conheceram melhor (diálogo, eis tudo), o interesse cresceu: de uma noite, o “programa” aumentou para seis dias. Ela fez novo preço, ele regateou, mas acabou aceitando. Vamos nos esquecer do restante do enredo que recheou a trama, porque nesse tipo de filme americano tudo tem de acabar bem. Ou você já viu alguma história melosa terminar mal nas telas daquele país? Para mim, sobrou a mensagem do respeito mútuo. “Quando um não quer, dois não brigam”, já diziam a minha, a sua, as nossas avós.

Não sei por que, mas acho que se este rapaz e aquela menina tivessem assistido a “Uma linda mulher”, nada teria acontecido de mal com eles. Melhor. Talvez ele criasse vergonha na cara e começasse a trabalhar e ela, apesar das poucas chances que qualquer jovem tem no Brasil de hoje, decidisse mudar de vida. Mesmo com a ajuda do dinheiro dele, se houvesse um pouco mais de respeito e calor humano entre as pessoas deste mesmo país.

Pregado no poste: “Dona AutoBan, as pistas da Anhangüera estão uma porcaria”

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