Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

2004Crônicas

Ela tem razão?

Cagüeta! Dedo-duro! Dedão! Delator! Traidor da causa! Quinta-coluna! Traíra!”

Vixe! Durante a ditadura, um não falava com o outro nem o outro o com um, com medo de ser denunciado. Tudo era à boca pequena. Na base do “não acho nada; eu tinha um primo que achava e hoje ninguém acha ele!”. Todos eram suspeitos de ser agente do Dops, assim com os homens do Doi-Codi. E como dói! O cabo Anselmo, lembra? Traiu os companheiros da Marinha, após o comício que deixou as Forças Armadas, amadas, depois odiadas, e virou sinônimo de traição. Agora, o cara ainda exibe o cinismo de pedir indenização por danos sofridos durante o regime da tortura. Brasileiro é gozado… Vivo, o delegado Fleury talvez pedisse para entrar na lista também.

Nas salas de aula dos colégios e das universidades, nas emissoras de rádio e televisão, na imprensa, em toda a parte, foi um Deus nos acuda. Jornalistas encarregados de fazer a cobertura das unidades militares eram acusados de serem simpatizantes da ditadura. Diziam: “Fulano não cobre o Exército para o jornal; ele cobre é o jornal para o Exército.”. Um horror.

Tive um colega assim, coitado. Gente boa, educado até não poder mais. Mas como repórter designado para acompanhar as atividades do então Segundo Exército, era obrigado a se manter na linha, ser discreto, só enviar para a redação notícias permitidas pelos donos do poder. Mas quem priva de sua amizade sabe como ele sofreu com aquela pressão. Para ele, estar rodeado por mais de duas pessoas era estar “em público”. E “em público”, ele não se abria. Sempre o risco (de morte) de ser denunciado. “Ninguém tem estrela na testa”, ele dizia. Até que chegou o dia em que os militares assassinaram o jornalista Vlado Herzog e, logo depois, o operário Manuel Fiel Filho, no quartel-general do Segundo Exército.

Na redação, cercado de pessoas conhecidas e outras nem tanto, ele tentava, com dor no coração, era de se ver, livrar de responsabilidade o general Ednardo D’Avilla Mello pelas mortes: “Num quartel, acontece de tudo e nem todos ficam sabendo. Eu pergunto: você é capaz de me garantir o que está acontecendo na sua casa agora?”.

Um coió, petulante, desafiou:

— Eu sou! Quer ver?

E telefonou para a própria casa. Na ânsia de constranger aquele meu amigo, disse para a mulher:

— O fulano está dizendo aqui no jornal que eu não sou capaz de saber o que está acontecendo em casa agora…

— Diz para ele que ele tem razão…

Pregado no poste: “Quem pede esmola é vítima de quem recebe o voto”

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