Moacyr Castro

Crônicas, reportagens e entrevistas.

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É muita gente

Querem que Campinas tenha um milhão de habitantes, nem que seja na marra. Uns desejam essa marca para não perder a boquinha que lhes foi tirada pelo próprio povo. Outros vêm nesse número mágico algo de grandioso — milhão, para eles, vira sinônimo de poder, grandeza, superioridade, orgulho, enfim. Eu sinto que existem muito mais de um milhão, infelizmente. É um inchaço. Antes do censo de 1991, a Prefeitura falava em 1,2 milhão, a Fundação Seade, em 960 mil e o IBGE, em 835 mil. Deu 846 mil.

O primeiro sintoma de crescimento acontece quando se anda na rua e se topa com maior número de desconhecidos do que de pessoas conhecidas. Outro indício é o tamanho das filas; os ônibus passando cada vez mais cheios; as vagas cada vez mais difíceis nos estacionamentos; o tempo cada vez maior que se perde para ir de um lugar ao outro. Quer fazer um teste ? Você se lembra da última vez em que subiu no Castelo para ver a cidade ? Dê um pulinho lá, agora, e se espante com a diferença. Um teste mais sofisticado ? Os cientistas do Núcleo de Monitoramento Ambiental da Embrapa têm imagens de Campinas, feitas por satélites, dos últimos vinte anos. São espantosas. Dão medo. Parece uma floresta que virou formigueiro. Se o Evaristo Miranda não estiver muito ocupado, ele mostra.

Contar um por um não adianta; nunca vai dar certo. Fui recenseador em l970, para conhecer melhor os campineiros e ter um perfil humano mais nítido da cidade. Foi muito divertido. A pergunta básica era a seguinte: “Quantas pessoas dormiram nesta casa na noite de 31de agosto para 1º de setembro ?” A partir dessa resposta, o questionário prosseguia: nome do marido, da mulher, dos filhos; escolaridade; religião; renda mensal; tipos de eletrodomésticos que tinham em casa; modelo e ano do carro. Essas coisas.

Respondiam tudo, mas a coisa “pegava”, mesmo, quando a gente perguntava quantas pessoas haviam dormido na casa naquele dia. “Por que o senhor quer saber isso ? Minha mulher estava viajando com as crianças, mas ela mora aqui sim senhor ! E não é da sua conta saber quem dorme na minha casa !”. Não era eu quem queria saber, mas o governo. E vai explicar para o homem que o objetivo do censo é contar a população e não descobrir quem andou prevaricando naquela noite fatídica. Ouvia cada uma !

“Meu marido é viajante e meu primo de Americana… Ei! Não é o que o senhor está pensando. Ele só veio me fazer companhia…”

“Sou casado, mas minha mulher não mora comigo. É ela quem me sustenta; esse negócio de renda mensal tem de ser com ela ou com o amigo dela.”

“Naquela noite, eu dormi na maternidade; o Júnior nasceu de madrugada, lá na Orosimbo Maia: ele conta ou não conta ?”

Naquele tempo, não havia motéis. Mas imagine o sofrimento dos que recensearam o Centro da cidade e toparam com hotéis. Ou o coitado que, sem querer, caiu naquele bairro perto do aeroporto de Viracopos. Será que alguém diria para o recenseador que dormiu no Jardim Itatinga ?

Em 1970, o IBGE anunciou que Campinas tinha 375.864 habitantes. Quatro anos depois, no bicentenário da cidade, estimava em 500 mil. Está tudo errado. Você acha que os números revelados pelos campineiros bateram com a verdade ? Duvido.

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